segunda-feira, 9 de junho de 2008

Desabafo

Não existe satisfação total na vida.
Andei pensando sobre o que me faz feliz, ou satisfeito, ou temporariamente tranquilo ao ponto de não desejar sumir.
E tudo parece um semi-orgasmo mítico, que nunca irá se concretizar,sempre inventando placebos, paradoxalmente conscientes.
Resgatando amores antigos, e beijos esquecidos no tempo e situações que bem poderiam estar em outra dimensão, a dimensão distante das lembranças engavetadas.
E tudo sempre poderia ser melhor, aquele discurso elaborado e ensaiado somente dentro da própria cabeça, que espera um momento exato para se libertar, e esse momento nunca chega.
Nada nunca é o que se quer, nunca é o que se espera, nunca se explora o máximo, como uma explosão em contagem regressiva em que o botão vermelho emperra.
E aquele sorriso amarelo das sombras das pessoas,um óculos escuro colocado em frente à vida, pra descansar os olhos e esconder as olheiras profundas.
As conversas e as pessoas,os livros e as músicas,filmes e viagens de fim de semana,as lágrimas derramadas no escuro do quarto,o travesseiro úmido e a alma seca.
Não existe calma,e a motivação infecta de um delírio casual se sobrepõe,ininterruptamente,às satisfações,ou alegrias, mesmo que extremamente sóbrias , conscientes e superficiais.
Não há exceção, não há regra.
E ontem eu esperei o telefone tocar, e ele permaneceu imóvel, como meus olhos, como minhas pernas, e como tudo em volta, espreitando cada ângulo do meu corpo.
Eu lembro de tudo que vivi, tudo que esperei, tudo que quis, tudo que prometi, tudo que ansiei, e tudo parece que foi escrito à lápis em um guardanapo,um recado, um gracejo pra Deus, que o garçom não entregou.
Deus e sua imaginação, Deus e seus discípulos incrédulos.
E ontem ainda lembrei novamente de todas as pessoas, e lembrei de você,e do tempo que desperdicei,e das vozes que ouvi, e tudo que representou,por tanto tempo.
O livro que não escrevi, o talento que acreditei ter,o que represento para cada um que passou por mim, e as palavras que entreguei,para todos eles,meio desconfiado.
E a música que toquei e alguém ouviu, distraidamente,esbarrando nos muros frios e sólidos, e reverberando,ácidas,para se desfazer em ruídos minúsculos dentro de cada
um, dentro de mim, do universo, da calçada suja de uma cidade qualquer.
E eu me vejo só, e olho para o lado e não existe ninguém, não existe humanidade, é apenas um termo, e todos estamos sós e entregues ao mundo e seus significados.
E cada vez mais acredito que pensar é inútil,e nunca nada vai fazer sentido.
Sempre que alguém lê algo assim pensa: é um suicida.
Mas é com uma tranquilidade absurda que entro, pisando suavemente,e assoviando, nesse amplo galpão (e só me alegro e satisfaço totalmente quando constato isso),que é onde não se pensa, não se acha sentido, não se infere nada, não se adivinha,não se lê,não se cria expectativas,não se tenta dar significado a nada, e é aí que tudo, paradoxalmente faz sentido, e nesse caos, nessa ausência total de sentido que se descobre um medo brutal,de se ver perdido e nu,e que é exatamente o que somos.
Não sabemos de onde viemos, pra onde vamos, e o que somos e queremos ser felizes em totalidade?
Repito: não existe satisfação total
E eu sigo sóbrio, errante ,com a consciência tranquila e despreocupado,porque não existem desejos,nem problemas, nem mágoas.
Andei pensando sobre isso, e sobre aquele beijo que podia ter te dado naquele dia, e sobre o que se passa em sua cabeça.
Andei pensando que não dirijo,não gosto de ir no banco, não gosto de igrejas, nem de quem mente a si mesmo.
E quando te abraço,e quando passo a mão em teu rosto,e quando faço alguém rir, e quando desfaço um nó que estava encrustrado na alma pálida de alguém,aí sim me sinto vivo, nesse momento me sinto mais perto da imaginação de Deus.
Ontem ouvi novamente aquela música que me faz chorar, e li um trecho de um livro do Hesse e andei sozinho pelas ruas, sem pensar em nada,apenas andando para que o cansaço físico me satisfizesse quando eu deitasse e encostasse a cabeça no travesseiro, e lembrasse de novo do que eu perdi,daquela paixão que foi embora, daquele amigo que era o mais amigo de todos e sabia de tudo que acontecia, e que agora se perdeu.
A garoa e o frio invadem profundamente minha alma, e eu lembro de quem eu não amei, de quem quis apenas uma palavra minha e eu não dei, de quem queria apenas minha atenção e eu recusei, do abraço que não dei quando os braços esperavam, abertos, de quando não disse para quem eu gosto, que essa pessoa é importante pra mim, e nas brigas idiotas por coisas pequenas, e do orgulho, do não-perdoar, do egoísmo frio, do medo de sentir, do medo de demonstrar, do medo absolutamente desnecessário de se importar, de ir além, de ser.
E eu lembrei por um instante que apesar de nada fazer sentido,há um sentido maior, que nos é incompreensível, e que pode ser Deus, mesmo que ele não exista.
Ou nós somos a imaginação de Deus ou ele é a nossa, e embora nada faça sentido, há uma vida pra viver, e mesmo sem satisfação plena,eu me movo em direção a algo
que pode ser o fim ou o começo.

Luciano Pires

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