domingo, 27 de novembro de 2016

O outro dia

E, assim que a calma se perdeu por entre as folhas secas da rua,
eu apenas parei e me vi refletido na poça de água transparente
que, ilhada entre o lixo do mundo, trazia em si um silêncio e um desbotar na alma.
Coloquei os ombros para cima, os olhos traziam aquela tristeza e desconfiança de quando é quase
meia noite e no dia seguinte vai se acordar cedo e com medo e ainda bêbado de sonhos e vinho.
Encarei por alguns segundos e senti a brisa fria de um abismo descascado no muro de uma frase
errada e tardia.
Assim mesmo preferi me sentar no meio fio e aos poucos me despedir de mim.
A Lua por enquanto era uma cúmplice calada.
Não houve dia seguinte. Nunca mais.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Caos

Aquela coisa em preto e branco desbotando na parede
encapsulada e embalada em papel brilhante
Poderia ser o tempo ou um quase nada reluzente
Poderia ser a eternidade soluçante
aquele ser sem casa e lamentavelmente sonolento
que tropeça em cada passo e sorri quando ouve o vento
que a cada uivo recupera uma pancada e um lamento
Um suburbano indiferente que ressuscita a cada dia em um passo lento
Na verdade a subida é íngreme
e olhar para cima alimenta a vertigem
A sensação é plena
Não existe a dúvida,nem a sagacidade enlevada
O que resta é um dia apocalíptico e milagroso
Onde as frestas do muro disparam casualidades
e eu abro a boca e consumo tudo
assim é o caos
E é aí onde quero morar.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Desacordo

Quando a percepção acelera e se choca embrutecendo os tímpanos.
Nesse instante fictício é que tiro o chapéu e me apresento
Todos os convidados do salão se levantam, empertigados e sonsos
Talvez nem me ouçam direito e talvez nem queiram mesmo ouvir.
Daqui por diante assume a voz interior, rouca, cansada, invisível, moribunda
Nesses longos discursos apenas arremedo as grandes figuras que nunca conheci, os
lagos e parques e as pessoas sentadas nas praças, os animais que passeiam, os olhos perdidos que vagam pelo horizonte cercado de cinza, nunca os conheci, nenhum deles,mas os ouço todos os dias quando recosto a alma no colchão úmido e frio.
Nesse momento prematuro, quando todos os sóis enriquecem as avenidas e a fumaça desliza pelo céu, prevejo teus pés correndo pelo mundo, enxergo por entre os dedos tua figura se esquivando por entre as poesias sarcásticas e as folhas amareladas do tempo.
é inútil projetar qualquer deslize agora, é inútil qualquer futuro e qualquer dimensão que se resgate, é inútil se desnudar em frente ao espelho, enquanto todo o passado e as pálpebras fechadas ainda observam tudo, caladas, ainda espero ali, sentado em frente a todos os desconhecidos, em frente aos mendigos e aos andarilhos, malabarizando a vida em decompasso, soprando crueza em cada segundo, denegrindo minha própria defesa,acusando-me sem argumentos,aliando-me ao pior de mim,entregue e satisfeito.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Outubro

Eu, ainda assim, sem nada,percebo o tempo
Embora incapaz, um tanto sólido
Suspiro almas, entregue a imensidão de um dia ensolarado de terça-feira.
Contigo sou mandíbula, sou sedento,incansável
Entre seus dentes, entre as pálpebras semiabertas
Entre a calçada e o grito saudável de mil sonolências
Tua pele crucial
Derramo todas as criações e uma prece astuta
peço por mim e por ti e por todos os anjos sóbrios que batem palmas
É Outubro, é quase sempre de repente
É meio um caos soberano,amor sonoro
Pássaro de plumas espessas, sobrevoando o planeta ,entre as nuvens descompassadas
é assim que me preparo, assim que fecho os olhos e adormeço
Por enquanto é noite,por enquanto as crianças apenas observam,inertes
Assim um tempo que ainda não chegou se espatifa em leves camadas
entre os dedos, entre as mentes, entre armas e aspririnas
Eu,ainda aqui, sem sapatos, descalço e sangrando
Com uma moeda gasta entre os dedos
Mão espalmada
Teu beijo preso na garganta, doce lago, voz de cantiga, brisa morna de calma.
Uma eternidade que se movimenta
Uma sombra fresca de colossal tranquilidade
Nenhuma pergunta, nenhum sentido
E ainda assim pleno de significado
A grama verde, o laço feito, teu colo
As cores todas, em fila.
Assim espero sobreviver
Navegando em oceanos, dançando por sobre a vida, sem coreografia, sem medo
De mãos dadas, atônito, porém desperto.
Ao longe a multidão se atropela, correndo em minha direção, eu apenas deito de braços abertos, esperando que no último segundo eles adquiram asas e voem por sobre mim e que eu possa ver as plantas de seus pés sob o fundo azul.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

O artista


Morgan Longfield morreu.

Porra,ontem mesmo eu tirei o vinil da capa,
coloquei no toca discos e ouvi o lado B inteiro,bebendo uma taça de vinho.
O cantor mais foda que eu já conheci,um verdadeiro artista,aquele
que escaneia a tua alma em segundos,digitaliza,imprime e esfrega na tua cara todo
o sentimento que fermentava por anos nas profundezas das tuas entranhas.
Fui ao banheiro,lavei o rosto,peguei uma xícara de café e abri o facebook pra procurar alguma notícia sobre o triste acontecimento. Nada.
Entrei no youtube,digitei seu nome,queria compartilhar alguma música,prestar homenagem.
Nada. Nenhum vídeo,nenhuma entrevista. Nada no Google também.
Somente o Roberto poderia me ajudar,liguei pra ele:
_ Roberto,lembra daquele cantor que te mostrei uma vez? Morgan,Morgan Longfield,meio folk,lembra um pouco Nick Drake...
_ Não lembro não,cara, você me mostra tantas coisas...
_Porra,que estranho. Beleza.
Corri pra pilha de discos,procurei desesperadamente,Dylan,Nick Cave,Drake,Janis,Hendrix,
alguns Beatles,Grateful Dead,Neil Young...cadê a porra do disco?
Nada de disco.
Lembrei do celular,eu tinha o disco baixado no celular.
Nada,apenas o Dark Side of the Moon.
Nunca mais ouvi nenhuma música do Morgan Longfield,virou piada quando saio com os amigos
pra beber:
_Aê,pede pra banda tocar aquele cara lá que você curte e só existe na tua cabeça,kkkk.
_Tô procurando aqui na jukebox o Morgan sei lá o que,tem não.
Não lembro de nenhuma música,apenas lembro da voz,da melodia do violão,quase apagado na minha mente...
O melhor artista que já existiu.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Sonambulismos


E,no caso de amor,
espane a poeira
deseje-me sorte olhando pro espelho
Pinte-se de vermelho
Solarize as entranhas
Torça por mais sandices
Suores noturnos
Sonambulismos coloridos
Luas cheias e calabouços sonoros
Atravessando a noite e os ouvidos.
No caso de amor
Solte as amarras
Prenda-se em sonhos
Energize-se
Caia em si,em mim, em nós
Desamarre os olhares
Caminhe lentamente por sobre essas pétalas de estrelas
Noite calma
Teu sorriso flutuando
E o universo rugindo
e a gente dança na velocidade da luz
Coreografando o tempo e o espaço
Num beijo infinito.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Ainda nem é meia-noite

Aí está uma parede fina,quase invisível
presa na retina,imperceptível
Podemos até parar de olhar
esconder o rosto
fazer de conta que é lá do outro lado
de um outro universo
que nem sei o nome
mas está ali tão perto, tão gritando na cara
que se a arma dispara
arrebenta o rosto
que reflete o que está tão suspenso
aparentemente se alastrando
derramando seus tentáculos
coloridos
ao redor do teu pescoço.
E a música afina,o ritmo se acaba
o som retorna
pra dentro de casa
e reverbera até de noite
lá dentro do quarto
debaixo da cama
dentro da gaveta
voando pela janela
e você grita: Espera.
Vou dançando de encontro
meio desengonçado
com as mãos pro alto
segurando a alma
como um garçom bêbado
E ainda nem é meia-noite.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Escudo

minha letra-rabisco
esquisito
Um ponto insignificante e prescrito
Derrota auto imposta
bagagem excessiva
eu te empurraria escadabaixo
se discordasse
por isso digo: enfrente
Nem sei de nada
Quando vi já era ontem
E no beco escuro da saudade
nem tem horizonte
escrevi mesmo com a caneta quebrada
vazando polaridades
alfinetando a sagrada ojeriza
dos que tem bom gosto como escudo
De cima do muro eu grito:
É assim que me fiz
É assim que se faz
Quem é cego nunca olha pra trás.
Minha sede é de nada
alma lavada
do pescoço pra cima é só dúvida
no resto do corpo é uma dança mal ensaiada
E um assovio vazando serenidade
lambuzando de medo a madrugada.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Cinza

A melancolia se estende,espaçosa,se espreguiçando sob o céu cinza.

A mão de dedos finos da saudade escolhe um disco e o som preenche 

o ar flutuando por sobre os olhos fechados do universo.

As palavras desabando nas páginas corroídas de um velho livro de poesias

Eu aspiro essa fumaça faiscante de sussurros e metáforas

Desenho no vento um caminho cheio de flores esvoaçantes e o teu perfume na alma.

O céu é aqui

é o teu sorriso 

é o teu olhar

é a vida que grita e dança

é a folha caindo lentamente

a praça vaziaos pés descalços

e o beijo em preto e branco,granulado e em câmera lenta quando desce a cortina e as luzes lentamente se apagam

e estamos sós

e cheios de nós

sexta-feira, 11 de março de 2016

Inexiste



O que não tem nome
O que inexiste
O que ,de amor e glória,permanece inóspito
e em si persiste
O que não se cala
o que por mais anseia
o que se multiplica
e que duvida dos céus e da terra,
por mais que creia.
a alma labiríntica
que se alimenta aos poucos,tocando de leve
o paraíso na ponta dos pés.
Teu sorriso cru
e o espírito sonoro
propagando acordes e diamantes ,entre sóis e luas
silêncios e preces
absorvendo um infinito de sonhos
e iluminando os olhos cegos do viajante.
A estrada flutua,mansamente,na escuridão calma.
Somos eu e você
Somos todos eles,em cada átomo,em cada gene,somos tudo.
Tua sede é meu deserto
E teu sorriso ,vida.
Em cada voz que ecoa,em cada palavra escrita
Mil desígnios,se regenerando,se reconstruindo
Se atropelando por sobre as faces apagadas do tempo.
E no fim do corredor eu te espero
Braços abertos e signos escorrendo por entre os dentes
A saliva fria que escorre da alma
Inunda cada segundo,cada milímetro
e nos traz de volta para o centro de nós mesmos.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Um dia

A cidade desconhece o rio
Que me permeia e envaidece e soterra de medo todo o dia
Teus olhos apenas sorriem, como se não precisassem de desculpa alguma para adoecer e serem felizes.
Os altos prédios
Os dissidentes
Os loucos que dançam na garoa fria,ouvindo uma música transparente.
E a fumaça das horas se perde por entre passado,presente e futuro.
Um dia a mão se moverá sozinha
Um dia teu corpo não mais fará tua vontade
Um dia a estrada se moverá de encontro ao teu destino
Nada é tão simples
Nem tão complexo
Apenas um outro dia, sentado à sombra de eternidades.
Eu espero,talvez menos ansioso
Espero teu beijo
Como quem espera o desespero
Como quem calcula rotas de saída
E adormece sob um rompante lento de angústia
e má determinação.
Lá ao longe, na esquina, dobrando lentamente
Uma nuvem de poeira cinza 
flutua morbidamente 
Te chamo a atenção
Te grito
Aos poucos recobro os sentidos
Abro os olhos
E te vejo
Nesse momento tuas mãos parecem macias e seguras
Simulo um beijo, quase sem forças.
Você se deita ao meu lado
Recosta-se em meu peito
E ali se ouve toda uma vida consensada em um segundo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Esse texto não existe

Eu juraria que esse texto não existe
E aí os teus olhos passariam ao longo de cada frase e não encontrariam sentido.
Nem em tua alma nenhuma palavra teria abrigo, infeliz na não-existência caricata.
Eu juraria que nada do que escrevo movimenta um grama de paixão,paz,morte,felicidade,tortura ou uma lágrima no canto do olho.
Você gritaria e agitaria os braços:
_ Tire esse texto do caminho.
E ,embaixo da escada, encolhido feito cachorro assustado,o texto rosnaria baixinho,tremendo.
Ali naquela esquina, a garoa fina, o casal permanece estático,olhando para o céu sob a luz da Lua.
E uma página em branco cai lentamente do céu,pesando aos poucos com as gotas da chuva.
Até que os olhos repousem sobre a página e lá não está escrito nada.
Eu juraria que aqueles olhos tristes do Destino nunca mais poderiam encontrar outros olhos para fitar.
Mas asim que adormeci você apareceu em meu sonho, vestida de branco, silenciosa, com uma carta na mão, que me entregou.
E nela não estava escrito nada.
Eu juraria que esse texto naõ existe.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Silêncio

Quando tomas por mim o silêncio que te toca a face
Enluto,mal penso,as palavras se arrastam.
Qual raio de Sol solitário,viúvo,mórbido
Assim é meu olhar,noctívago, carregado de sentidos mal interpretados
Sigo enlevado,destruindo o momento assim que ele nasce
Caminhando sofregamente por entre túmulos e flores
acenando para a morte e flutuando de encontro à vida.

Teu sorriso permanece na retina,perscrutando a noite,camuflado
Teu meticuloso desígnio,a quase alegre e fortuita dor que floresce
Tua cabeça em meu peito,a agulha no sulco,o som arruinado de mil gritos
A taça quebrada,o vinho derramado,a mudança súbita de universo
E nossos corpos encarcerados um ao outro,a crueza do desejo não dissimulado
As nuvens de prazer,a carne marcada,o desmaio consciente e um Deus herege observando
o suór esconder a prece encarnada no segredo preso na garganta.

Assim,permanecemos hostis ao destino
Tua boca esparramando cores por entre a fumaça
e o mais belo amanhecer multiplica-se em nossas entranhas.

Luciano Pires

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Dois Passos

Dois passos adiante e minha mente repousa recostada em muros altos.
Aparentemente distante,intensifica os segundos soprando distração e medo
pra debaixo do tapete.
Por cima do ombro,olho para o silêncio da vida,retrovisor embaçado e labiríntico.
Caleidoscópico.
Sente-se aqui, ao meu lado,responda algumas poucas questões sem esboçar qualquer reação.
É assim que me torno mais que a sombra de um guerreiro injustiçado.
É assim que me torno mais humano e menos dormente.
É assim que sacrifico todas as almas e jogo pelo bueiro aquela dúzia de moedas enferrujadas.
Não é nada,não há de ser nada.
Um segundo de pausa.
Um suspiro e um grito.
A música sobe lentamente.
A luz se apaga.
Embora seu vulto se avolume e se distancie,permaneço imóvel.
Todo o ar ao redor se solidifica.
O eterno me estrangula ,sorridente,sussurrando frases desconexas.
Me ajoelho devagar,depois deito e meu sonho se faz, belo e infinito.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Morra

Eu andava lentamente,com o corpo vazio.
Um tiro na cara,porra.
Levei um tiro na cara e permaneço sóbrio.
Você sorri nervosamente,um sorriso podre de desgosto e lágrima.
Nem precisei me levantar da cadeira, outro trago, a certeza burocrática de mil anjos mortos.
A fumaça invadia a retina e sufocava os pensamentos.
Um outro acorde infinito.
Tropecei lentamente no destino, morri outra vez, nem lembro mais quantas vezes essa semana.
Segurei o revólver, ainda quente.
Gritei com força.
A garoa fina permanecia dançando no teto da minha mente.
Atire, filho da puta.
Atire.
O sangue apenas esperava o momento certo pra correr livremente pelo chão sujo.
Atire.
Um casal se beijava ao som de um violão desafinado.
Atire.
Um copo de cerveja desaba da mão frouxa de um senhor embriagado e se estilhaça no chão.
Morra.
Levantei voo.
fechei os olhos e atirei.
Estou sentado de frente para a tevê desligada.
Faz duas horas.
Lá fora a garoa fina despeja suór de graça no dorso da realidade.
Dois segundos.
o mundo cai sem vida sob meus pés.

Pessoas que aportaram por aqui: