quinta-feira, 4 de maio de 2017

Um dia qualquer

_É por ali, senhor.
Ele começou a andar de cabeça baixa, contando os ladrilhos, 
cantando uma música mentalmente,seus pensamentos se embaralhavam como 
novelos sujos de lã.
Abriu a porta do quarto,havia apenas uma cadeira e um pequeno palco com 
um microfone.
Ouviu o barulho do ferrolho pesado 
fechando a porta do quarto atrás de si, lá dentro o silêncio era absoluto.
Sentou-se, fechou os olhos e esperou.Uma música começou a tocar baixinho, 
naquele pequeno palco surgiu um anjo, de auréola e tudo, as grandes asas
recolhidas atrás das costas, o terno impecável e um coque bem arrumado que 
lhe segurava os cabelos louros compridos.
Deu três pequenas batidas no microfone. 
O anjo começou a fazer um stand up improvisado relatando diversas passagens 
da vida do senhor que, incomodado, se apertava na cadeira. 
Desde a infância até a bebedeira da semana anterior, tudo virava piada. 
Os fatos mais tristes e as desgraças, as alegrias e vitórias, tudo era 
espezinhado e rechaçado e envolto em risos de claque, que envolviam o 
quarto como uma nuvem.
Depois de longas horas o anjo agradeceu, surgiram aplausos e apulpos, ele se 
curvou e se despediu.O senhor mal piscou os olhos e já não havia ninguém ali,
apenas  um leve perfume que passeava pelo quarto apertado.
Pela janela aberta via-se um campo deserto, apenas algumas árvores e nenhum 
ser humano, estava quente e o Sol se impunha como um peso sobre aquele
dia interminável.
O barulho da porta se abrindo o despertou do torpor._Pode sair, senhor.
Ele abandonou o prédio olhando fixamente para o papel que tinha em suas mãos,
até que tinha sido uma quantia razoável.
Caminhou lentamente até a sua casa, olhando para o chão, a cabeça pesada e 
o suor deslizando pelo seu rosto, com as costas da mão enxugava e tremia.
Depois da esquina, 
cruzou a avenida e continuou sem saber seu nome.

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