terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Forgotten - Izumi Suzuki

 



Emma soltou um grito e congelou como uma estátua na escuridão ao pé da escada.

A porta do quarto do primeiro andar estava fechada. 

Isso significava que ele estava em casa? 

Ela teve a nítida sensação de que deixou a porta aberta quando saiu mais cedo.

O jeito que ela estava levando a vida vai fazendo com que esqueça das pequenas coisas.

De qualquer forma, Sol poderia muito bem estar no quarto. 

Nesse caso, era melhor esconder seu colar de seringa. 

Emma estendeu a mão em direção à parede e ligou o interruptor. 

Abriu a bolsa e tirou o pingente. 

Ainda tinha o suficiente para uma dose.

Dentro de sua bolsa, seus dedos tatearam um pequeno frasco de perfume. 

Ela procurou algumas almofadas de algodão e derramou um pouco de perfume em uma delas, em vez de álcool cirúrgico.

Arregaçou a manga e enxugou a pele, depois aplicou rapidamente.

Um leve formigamento de dor; a agulha atingiu o mesmo ponto de antes. 

Mas a picada logo desapareceu e sua pele ficou quente.

Ela podia sentir o líquido penetrando.

Bom. Agora ela poderia dormir a noite.

Emma soltou um longo suspiro e começou a subir as escadas. A cabeça dela estava fervendo, sentiu que estava ficando mais alegre e um pouco imprudente. 

Seu cansaço aliviou e seu corpo ficou mais leve.

‘Aahh, quem se importa, afinal?’ Mas assim que esse pensamento chegou aos seus lábios ela se perguntou: quem se importa com o quê?

Emma agarrou-se ao corrimão, finalmente chegando ao topo da escada. 

Ela abriu a porta e encontrou o quarto escuro.

Sua euforia estava se intensificando a cada segundo. 

Com os olhos fechados, arremessou suas roupas e escondeu o pingente embaixo do travesseiro. 

Ela escavou seu caminho por debaixo das cobertas e então, sentindo uma súbita pontada de sede, ligou a luz.

'Sol!'

Ele estava parado ao lado da cama.

‘O que você está fazendo?’ Emma tentou dizer, mas as palavras sairam tortas.

Ela deve ter tomado muito.

“Pensando”, ele disse calmamente.

‘Na escuridão total?’

Seu rosto verde se aproximou. Ele estava olhando para a pele exposta dela, ela percebeu e puxou o lençol até o queixo. 

As mãos dele a pararam, torcendo seu braço.

‘Ai! Isso machuca!'

'Deixe-me ver.'

Emma fechou os olhos. O olhar de Sol fixou-se nas marcas roxas na parte interna do braço dela. Depois de um tempo, ele a soltou.

'Mostre-me. Mostre-me o que você está escondendo.’ Sua voz era baixa e calculada como sempre. 

Ela tentou imobilizá-lo com um olhar aterrorizante. 

A expressão dele permaneceu inalterada.

Emma tirou o pingente de debaixo do travesseiro. 

Sol tomou dela e jogou no lixo.

'Por que você fez isso? Foda-se o que eu faço, não tem nada a ver com você — ela objetou inutilmente.

‘Isso não é verdade. Continue assim e você logo se tornará uma viciada.

Consegue enxergar isso? Se você ficar inválida, voltarei para casa.

Essa reação fez cócegas em Emma. Então ela era a razão pela qual Sol estava ficando aqui na Terra? Então ela percebeu outra camada de significado nas palavras dele.

‘Você está dizendo que se algo ruim acontecesse comigo, você simplesmente iria embora?’

Parte dela às vezes desejava que isso realmente acontecesse. O fardo de viver com um Meeliano estava ficando cada vez mais difícil de suportar.

A irmã mais nova de Emma, ​​que era casada com o diretor do Departamento Espacial, dissera-lhe que “devemos ter pena de gente provinciana como essa”. 

O planeta Meele era subdesenvolvido, aparentemente. 

Os pais de Emma mais ou menos concordam com essa visão, dizendo que seria melhor para Emma encontrar um simpático sargento baliano ou um músico kamiroyan, tudo menos um meeliano.

A própria Emma achava que Sol era um pouco cerebral. Ou talvez fosse mais por que ela foi incapaz de dar a ele o que ele queria. 

Sentiu-se contrariada.

Passou a acreditar, desde que estava com Sol, que era estúpida. Essa não foi uma sensação divertida. Ela ainda não havia abandonado os tipos de ambições comuns aos jovens.

— Não vejo que outra escolha eu teria. Se você acabar virando uma viciada, você será uma pessoa totalmente diferente. Além disso, quero voltar para Meele.’

‘Ah, então é isso que você chama de amor, não é?’ Ela fez beicinho.

– Nunca amei ninguém, Emma. – Ele deu um meio sorriso. 

O orgulho de Emma estava terrivelmente ferido.

'Eu gostei de muitas garotas, mas isso é diferente... 

A premonição que tive quando te conheci – não acho que tenha sido um erro. Eu sabia desde o início que você seria a última mulher com quem eu estaria.

Ainda olhando para ela, Sol começou a tirar o pijama. Isso é uma peculiaridade dele, vestindo pijama durante o dia enquanto relaxa em casa. 

Sol torcia o nariz para a dança e a música que Emma gostava. Então o que ele fez em vez disso? Nada. Três vezes por semana, ele passava pelo Clube de Jornalistas Estrangeiros no último andar do Departamento Aeroespacial. 

O resto do tempo ele parecia passar de pijama, absorto em pensamentos.

Totalmente nu agora, Sol foi para a cama.

Sabe, nunca sei o que se passa na sua cabeça? disse Emma.

"Isso é porque você tem a mente fraca", disse ele, completamente sério. Ele parecia irritado.

Lembre-me de novo, o que você veio fazer na Terra em primeiro lugar?

Sol era realmente um espião? Foi a irmã de Emma quem primeiro colocou essa ideia em sua cabeça. 

Inicialmente, ela havia zombado da ideia, mas agora estava ficando desconfiada.

Eu sou um poeta.

"Oh, não me venha com essa de novo! Emma desviou dos lábios de Sol.

Quando eles começassem a se beijar, ela não conseguiria mais pressioná-lo . 

Além disso, ela havia estado nos braços de outro homem do lado de fora do apartamento, e o gosto e a sensação dele ainda permaneciam com ela.

Não me faça repetir, então. Sol franziu a testa para ela.

Você não conseguiria nem encher um boletim escolar com a quantidade que produz.

Isso não é um problema na minha terra. Nossos jornais têm menos da metade do tamanho dos da Terra e, em alguns dias, têm apenas quatro páginas.

Também não há jornal noturno. É um lugar de fácil convivência. 

Nossa agricultura e pecuária é que mantêm o lugar funcionando. Temos um bom clima. Ninguém realmente quer um emprego importante e só aceita um por senso de dever. Mesmo assim, não há nada de patológico na maneira como as pessoas trabalham. 

Ao contrário do marido de sua irmã, que só volta pra casa duas vezes por semana".

Mas vocês também tem mineração em Meele, certo? De onde veio o grande rubi que você me deu. A propósito, eu o perdi".

'Eu lhe darei outro quando voltar. Ei, que tal eu levar você de volta comigo algum dia? Sol a encarou atentamente enquanto dizia isso.

Emma lhe deu um "Hmm" sem compromisso.

Na verdade, ela não tinha intenção de fazer nada disso no momento.

Se os dois fossem para Meele, Sol provavelmente acabaria trabalhando em uma usina de energia eólica ou algo assim. Ela cuidaria da horta, daria um passeio ocasional à tarde com ele, teria filhos (eca!) e envelheceria gradualmente. Uma vez por ano, mais ou menos, ele poderia lhe dar um lindo anel mas ela não teria amigos da Terra para exibi-los.

Os únicos terranos em Meele eram os piratas saqueadores de minas, que se escondiam por trás de seu credenciamento na Comissão de Investigação Científica e os turistas que estavam buscando destinos distantes. Os terranos não tinham a melhor reputação por lá, graças à sua tendência de cavar em tudo quanto é canto.

Sol pegou seus cigarros na cabeceira da cama.

— Mas como você vai lidar com isso se algum dia voltar para Meele? Você diz que o ar terrano me contaminou, mas isso também deve ser verdade para você, depois de todos esses anos. 

Sol levou o cigarro aos lábios, soltou uma nuvem de fumaça e respondeu:

'Vou parar de fumar se eu voltar. Mas estou aqui há quinze anos, é natural que eu tenha adquirido alguns dos vícios terranos.

Os pais de Sol vieram para a Terra como embaixadores da boa vontade. Mas quando seu período de serviço terminou, ambos ficaram mentalmente doentes e voltaram para casa.

Sol, cuja educação terrana havia sido financiada pelo governo, havia passado a maior parte de sua adolescência aqui - se você definisse adolescência como o período de quinze a vinte anos.

Um ano no planeta natal de Sol era apenas quatro dias mais longo do que na Terra.

Sol logo estaria completando trinta anos.

Não estou falando de fumar! Quero dizer, você fica irritado rapidamente. A maioria dos meelianos é bem-humorada e contemplativa, e ainda por cima quieta.

Mas não é a quietude dos santos puros - eles são quietos como os melhores boxeadores são quietos".

Ao usar essa expressão, que lhe pareceu ter um toque filosófico agradável, Emma sentiu uma pontada de satisfação. De fato, era uma expressão que ela havia ouvido o próprio Sol usar, cerca de um mês antes - embora ele não se lembrasse disso.

Sol baixou os olhos, mostrando seus cílios verde-escuros.

O cabelo que caía sobre sua testa tinha o mesmo tom de verde.

Então você está dizendo que eu sou diferente dos outros meelianos?

Os cílios dele se ergueram e um par de olhos violeta olhou para Emma. Sol apagou o cigarro.

Você não acha que desenvolveu um temperamento muito forte, comparado a como era antes? A amiga da minha irmã estudou na mesma universidade que você. Ela estava me contando como você costumava ser naquela época".

Ele ajeitou o travesseiro e ficou olhando para o teto.

 

Ao observar o perfil dele, Emma pensou no homem com quem esteve antes. Ela imaginou que ele queria dormir com ela, mas não tentou levá-la de volta para seu quarto ou fez qualquer movimento abrupto, então agora ela não tinha tanta certeza. 

Ele a abordou na sorveteria, perguntando sobre a sexualidade meeliana.

'Eles são pervertidos como você gosta. Psicologicamente falando, quero dizer”. Emma tinha dito.

— Eles fazem isso como os terranos? 

'Não é como se eu tivesse dormido com centenas de terranos, e o único Meelian que eu conheci em primeira mão foi o Sol. Eu não poderia saber.

O homem queria detalhes. Emma evitou suas perguntas, dando respostas divertidas. Se ele tivesse respondido com um pouco de astúcia e persistência, ela pensou melancolicamente, eles poderiam ter se divertido muito.

 

No que dizia respeito a Emma, esses tipos de jogos amorosos estavam entre as melhores ofertas da vida. E, ainda assim, foi apenas nos primeiros três meses de seu relacionamento

com Sol que ele pareceu gostar dela e ela se sentiu verdadeiramente feliz. 

Quando se tratava de satisfazer seu orgulho, Emma era mais ambiciosa do que um velho agiota.

(Pensando bem, a avó de Emma era uma agiota!)

“Talvez seja o ar daqui que faz isso. Aquela substância química encontrada em pequenas quantidades na atmosfera terrana. É por isso que vocês esquecem tudo. Sol estava resmungando como se estivesse falando sozinho.

'Eu não esqueço das coisas!' Emma beliscou a bochecha dele e ele se virou para encará-la.

— Não enquanto elas ainda estiverem acontecendo, mas assim que algo acaba, é como se nunca tivesse acontecido. O mesmo acontece com a guerra. 

Voltei e examinei os registros de 1950 em diante. Como vivemos em Tóquio seus pais eram comprometidos com a herança japonesa, decidi ver o quanto as pessoas se lembram das guerras da Coreia e do Vietnam. Também examinei os registros do lado americano..

'Mas não estamos mais na era do Japão e da América! Agora temos um Presidente Mundial. Eu sei que muitas pessoas dizem que é apenas decorativo, mas ainda assim.

Até a capital se muda periodicamente!’ 

— Claro, superficialmente é como você diz. 

Mas, na realidade, as pessoas estão mais preocupadas com o país de origem do que com o fato de serem terranos. Nos EUA, as pessoas costumavam se preocupar se eram de ascendência italiana ou irlandesa ou qualquer outra coisa.

Depois, houve várias gerações em que pessoas de todas as origens começaram a misturar-se, e agora estamos a assistir ao surgimento de uma raça americana, embora ainda esteja apenas na sua fase de formação. 

O que significa que todos servem apenas aos seus próprios interesses nacionais, tal como faziam no passado.

Você não acha isso estranho? Numa época em que há tantas naves espaciais a ser construídas e todos supostamente têm os olhos treinados ao que está além do seu próprio planeta, cada nação tenta se tornar algo como o Império Britânico. Todos eles querem que o império deles seja onde o Sol nunca se põe nos sete mares ou o que quer que seja. Não me lembro das palavras exatas que usam, mas esse é o significado aproximado. 

Agora procuram planetas para colonizar, tal como no passado costumavam reivindicar outras nações. Muitos terranos também têm aparecido em Meele. 

Os Meelianos estão fartos e começaram a restringir a imigração.

Os dois ficavam realmente apaixonados quando conversavam, principalmente Sol.

'Está uma bagunça. Mas isso não contradiz o que você estava dizendo antes?

'De que maneira?' ele perguntou a ela, seus olhos agora tingidos de azul.


— O que você estava dizendo sobre os terranos serem esquecidos. O conceito de nacionalidade não desapareceu com a fundação da Federação Mundial.

Isso não prova que as pessoas não esqueceram o amor pelo seu próprio país?'


"Ah, Emma, que garotinha ingênua você é. Você não percebe que isso não tem nada a ver com amor ao país? Na verdade, é uma forma de egoísmo territorial. As pessoas não gostam de ter um depósito de lixo na porta da frente, se resume a isso. A Guerra do Lixo de Tóquio não continua até hoje?' Sol sorriu ironicamente. 

A segunda parte do que ele disse não fazia sentido para Emma.

'Mas não há mais lixões, Sol! Até minha mãe e meu pai nunca viram um — ela retrucou.

'É uma metáfora. Nossa, conversar com você é cansativo! Eu tenho que explicar tudo! 

— Acha que é assim com todos nós, terranos estúpidos, não é?

 'Ei, não fique bravo. Você está certo em quase tudo. É um pouco diferente com os telepáticos. Então a conversa fica um pouco mais tranquila. Embora, na verdade, as habilidades telepáticas dos terranos que conheci não eram dignas de nota, eles não conseguem ler todos os pensamentos.Graças a Deus – isso seria horrível, não? Se alguém pudesse ver absolutamente tudo o que você está pensando? 

O que você está dizendo, Sol? Você está tentando me dizer que tem algo a esconder?

Algo que você não quer que ninguém descubra? Afinal, você está realizando algum tipo de conspiração aqui na Terra? 

Mas então, enquanto Emma pensava nisso, uma suspeita diferente passou pela sua cabeça. Quando ela começa a trilhar o caminho da dúvida, não acabava mais.

'Então você é telepático?' ela perguntou com toda a casualidade afetada que conseguiu reunir.


'Não', disse Sol, claro que não.

'Nem um pouco?' Emma olhou para ele interrogativamente. Ele sorriu, estendeu a mão e bagunçou o cabelo dela.


'Meus poderes de compreensão são maiores que os seus. Deve ser isso que te faz pensar isso. Parece-me que os meelianos se entendem melhor do que os terranos.

São os Mirinnianos que possuem os maiores poderes telepáticos, embora sua compreensão da linguagem e dos padrões de pensamento seja bastante baixa. 

Mesmo que consigam ler as mentes de pessoas de outros planetas, não há muito que possam fazer com essa informação. 


A mão de Sol desceu do cabelo de Emma até sua bochecha.

Quando seus olhos pousaram nela, eles assumiram aquele olhar suave e levemente nebuloso que ela mais gostava. Assim como ela sentiu que ele faria, ele se inclinou e a beijou.


O que ele quis dizer com que os terranos esquecem rapidamente? A que ele estava se referindo em particular? Sol sempre encontrava um jeito de não explicitar as coisas.


Agora, quando ela pensou sobre isso, percebeu que com seus floreios linguísticos inteligentes ele tinha conseguido enganar seus olhos centenas de vezes. 

Ela estava achando cada vez mais difícil juntar as partes de Sol e entendê-lo como um todo. 

Foi porque ele se expressou de uma forma complexa? 

Ainda assim ela tinha certeza de que, no fundo, ele era um cara bastante direto. 

Mas quando ele começou a tirar as alças de sua combinação estilo vintage pelos ombros, Emma sentiu sua preocupação com tais assuntos evaporar.

— Você só dormiu com mulheres terranas? 

Sol levantou a cabeça de onde estava enterrada em seu peito. 


No início, ele revirava os olhos e sorria exasperado quando ela o questionava com perguntas como essa, mas agora não mais..


'Não. Quero dizer, a relação sexual com os Mirinnianos não é fisicamente possível porque eles são construídos de forma muito diferente, mas os Balinianos, os Kamiroianos

e os Terranos são todos sexualmente compatíveis com os Meelianos. 

Embora apenas Meelianos e os Terranos possam produzir descendentes, talvez sejamos na verdade os

mais compatíveis dos pares interplanetários. Eu precisaria verificar isso.


De qualquer forma, quero dizer, não sou particularmente eclético em meus gostos e não estou interessado em nada que pareça muito complicado. 

A estética Kamiroi realmente não combina comigo, embora eu tenha ouvido dizer que vocês, terranos realmente gostam disso. 

E os balianos são irracionais demais.


'Então, em que as terranas são diferentes das garotas meelianas?'

Desta vez, Sol não levantou a cabeça para responder. 'Elas são construídas de forma diferente.

As garotas de onde eu venho têm ótimos corpos. Tinha uma garota com quem eu estava que era simplesmente linda, loucamente sexy, com um corpo incrível...


'O que você está fazendo comigo, então? Se eu sou tão pouco atraente em comparação. A respiração de Emma estava irregular e pesada. Sol olhou para ela.


'Olha, estamos juntos, não estamos? Então, o que isso importa? Em todos esses quinze anos, só morei com outra garota. 


Durante três anos morei com meus pais. Depois que eles voltaram, tive que morar em um apartamento tão pequeno que você mal acreditaria, cozinhando para mim em um

fogão a gás antigo. 

Havia chamas ardendo no fundo dos olhos de Sol.

'Você não poderia ter ficado nos dormitórios estudantis?


"Tomando emprestada a sua terminologia terrana preconceituosa, Meele é um planeta atrasado . 


Eu não tive escolha a não ser ficar ali e olhar estupidamente enquanto as pessoas de todos os outros planetas me manipulavam habilmente para conseguir os bons quartos. 


Foi assim que aconteceu naquela época. E agora, olhe! De repente, o seu governo decide me colocar num lugar incrível como este, e de graça.


A Terra está ficando menor, mas aqui estou eu morando em um apartamento com dois quartos, uma sala e um bar na cozinha.


Eu nem sou o correspondente oficial do Meele – esse é outro cara.

Escrevo principalmente para revistas, e não para jornais. E, no entanto, de repente, eles me levaram para este quarto... isso não lhe parece um pouco suspeito? O rosto de Sol estava tenso.


“Acho que sim”, disse Emma, evasivamente.


“Além do mais, para que as pessoas não suspeitassem, o seu governo solicitou tipos semelhantes de apartamentos para todos os correspondentes que enviaram a Meele, que são muitos. 

Há uma intenção óbvia por trás desse movimento. Ao enviar pessoas em tão grande número, eles estão tentando divulgar o fato de que os terranos têm interesse em Meele. Bem, falando francamente, esse “interesse” traz mais problemas do que vale a pena. Interesse significa ação invasiva futura, se a história terrana servir de guia. Esqueci quando foi agora, mas havia um cara que veio para a Terra fugindo de Meele. Para os Meelianos, ele era um criminoso. Seus poderes espirituais haviam caído ao nível de um empresário terrano corrupto. De qualquer forma, depois de realizar uma avaliação minuciosa do seu estado psicológico, o governo terrano usou-o para formular uma espécie de perfil de quem são os Meelianos. Tenho certeza de que foi com base nisso que eles concluíram que poderiam viajar para Meele em segurança e que, se algum dia houvesse um conflito militar, eles teriam vantagem.

‘Você quer uma bebida?’ Emma invadiu seu silêncio, como sempre fazia.


'Hum? Ah, sim, ok. 


— Vá comprar um, então. 


'Eu não posso me dar ao trabalho de colocar minhas roupas de volta.' Ele colocou as mãos atrás da cabeça.


'Pfft, o mesmo vale para mim! Eu sempre soube que seu planeta era antiquado e conservador. Fazer com que as mulheres façam tudo por você!

O planeta Meele tinha recursos naturais abundantes. Uma pessoa que trabalha poderia facilmente fornecer o suficiente para uma família inteira. 

Na sua juventude, as mulheres Meelianas passavam três ou quatro anos na sociedade (como parecia antiquado dizer isso!),

antes de decidirem sobre um parceiro adequado e estabelecerem-se como donas de casa.

'Isso não é verdade, estou exausto hoje. Faça isso hoje, por favor. Ouvirei tudo o que você disser depois. 

Ele fez a cara doce que fazia sempre que tentava conquistá-la.


'Pfft.' Emma saiu da cama e começou a se vestir. Com muito cuidado, ela envolveu o xale nos ombros.

'Ah, que beleza! Escolhi a mulher certa para dar meu coração puro. 


'Que bobagem absurda você soltou agora!

Todos nós sabemos quão puro esse seu coração é. Eu poderia muito bem mantê-lo perto da porta e usá-lo como pano de chão.

Emma abriu a porta e desceu. Ela deixou a porta do quarto aberta para quando ela chegasse carregando os copos.

'A reencarnação de Brigitte Bardot. A terceira vinda de Claudia Cardinale. Prima mais nova de Monica Vitti. 

Ou então, Julieta dos Espíritos.

Gloria Wandrous de Butterfield 8.'

Mesmo no pé da escada, ela podia ouvir o cinéfilo de filme antigo matraqueando sem parar.

Não, não é isso! Ela é o sonho de Cleópatra de Bud Powell. Ela é Bokko-chan.

Do que ele estava falando, honestamente? Emma foi até o bar, primeiro preparando uma bebida para si mesma: um Screwdriver.

Bebeu rapidamente, então fez outro.

Ela sentiu vontade de pisar na jaca. Esta noite não era a noite para bancar a inocente com um gin fizz ou algum outro coquetel adocicado.

O que diabos Sol estava pensando? Todos os homens meelianos eram como ele?

'Egoísmo territorial'? Quando ele expôs isso dessa forma, é claro que parecia questionável, mas a verdade é que criaturas inteligentes tendiam a ter uma dose saudável de egoísmo –

independentemente de quaisquer necessidades que pudessem ter.

No entanto, imediatamente, a resposta de Sol a isso flutuou na mente de Emma: “Mas os terráqueos são extremamente instáveis mentalmente. Seu egoísmo teimoso não está completo.

O meu planeta natal não é páreo para a Terra em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, mas pelo menos a maioria das pessoas que lá vivem consideram como querem

viver as suas vidas. 


Nossa história é insondavelmente longa e, no entanto, foram registadas apenas cinco guerras – incluindo algumas de escala realmente pequena. E a última delas foi encerrada há mais de dois milênios.


A segunda bebida de Emma desapareceu tão rapidamente quanto a primeira. Estavam sem suco de laranja. Ela diluiu um pouco de vodca na água e subiu na banqueta.


Guerra – haveria realmente uma guerra interplanetária? Não, certamente não. A Terra estava se dando bem (pelo menos superficialmente) com todos os outros planetas. Mais de

trinta anos se passaram desde que a Terra descobriu Meele.


A cabeça de Emma estava girando, como na vez em que ela contraiu uma pneumonia aguda. 

Deve ter sido álcool misturado com a última picada que ela tomou. 

Tentou agarrar a barra, mas já era tarde demais. 

Ela escorregou do banquinho e bateu com força a lateral da

cabeça contra o balcão.

Seu corpo havia virado gelatina. 

Ela sentiu braços poderosos a levantarem do chão.

'Achei que você estava demorando, então desci para ver o que estava acontecendo, apenas para encontrar você assim. 

Ufa, você é pesada! O que está acontecendo, Emma? Você

tem agido de forma estranha ultimamente. Sol a pegou.

'Ah, meu xale.'

'Deixe isso por enquanto. Você pode pegá-lo mais tarde. Ele começou a carregá-la para cima.

'Mas é o meu favorito!' 

Sol não respondeu. Pisando cuidadosamente envergando-se com o peso dela, subiu as escadas. 


Oh Sol, quando você me abraça assim, estou perdida. A esta altura, admiti (embora com relutância) que amo você. 

Não suporto que isso seja verdade.

Já me apaixonei por vários homens no passado, mas você é a primeira pessoa que levei a sério. A própria ideia de que eu me apaixonaria por um homem, de uma classe de pessoas pelas quais secretamente sinto tanto desprezo...

Eu te odeio por fazer isso acontecer.


— Você disse alguma coisa? Sol perguntou, quando eles entraram no quarto.

'Não.' Emma balançou a cabeça. Ela podia sentir que estava se deprimindo.

Ele a colocou na cama.


'Um dia, Sol, você e eu...'

Chegaria um momento em que eles se aceitariam inteiramente.

Um dia essa hora chegaria – tinha que chegar.

'Quando eu for uma senhora senil.' 

Sol riu um pouco e depois se retraiu. Nos Meelianos, o período noturno era caracterizado por uma combinação de desligamento psicológico e sono. Quando Sol falou

de seus sonhos, ele não se referia de fato às suas fantasias despertas? 


Emma desistiu de pensar e fechou os olhos. De manhã, decidiu ela, iria ver a amiga que estudava farmacologia; ela conseguiria outro pingente e um novo suprimento de drogas. 

Não havia como alguém viver em um mundo como este com uma mente em pleno funcionamento. Você só sente raiva de manhã à noite. 

Se ela acabasse ingressando em algum tipo de movimento político, sua mãe e seu pai ficariam chateados. Usar drogas,

disse a si mesma, era sua maneira de ser uma boa filha.


Sol se virou e passou os braços em volta dela. Ela ficou lá, de olhos abertos, enquanto a noite avançava.


“Você não deveria usar muito disso”, Luana disse enquanto entregava a Emma um pequeno saquinho. 

Era tarde e as duas estavam sentadas na esplanada do café comendo uma fruta estranha importada de Meele.

'Sim, eu sei. Obrigado.'

Emma guardou o saquinho dentro de uma bolsa grande feita de tecido de casca de árvore. 

A Terra dependia de Meele para quase metade de sua produção agrícola, como esta casca; foi costurado artesanalmente por Kamiroyans em uma fábrica marciana.

— Acho que você não entende. Por mim tudo bem se você ficar viciada. O que quero dizer é que, seja como for, essa coisa tem um efeito devastador na sua personalidade.

Luana apoiou os cotovelos na mesa e inclinou-se para Emma.

‘Continue assim por muito tempo e você verá que sua força de vontade enfraquecerá. Você será facilmente influenciada por sugestões e instruções externas. 

Nesse sentido, é semelhante à escopolamina. Faz você esquecer as paixões e os valores que já teve. Luana tinha um olhar mortalmente sério para ela.

'Isso faz você perder a memória?' Emma estreitou os olhos. O que Sol havia dito sobre o esquecimento dela.

'Não, é mais como se a vivacidade de suas emoções desaparecesse. Você começa a sentir que o seu eu do passado estava enganado sobre todos os tipos de coisas. O seu eu antigo se torna irreconhecível. Quem se beneficia com isso, eu me pergunto?

“Mas o Estado está reprimindo isso”, disse Emma, baixando a voz.

— Mas isso é só propaganda. Quero dizer, ainda é popular, não é? Você sabe que anunciaram recentemente um medicamento que torna as pessoas menos suscetíveis ao medo.

Luana franziu a testa, como costumava fazer.

'Mas pra quê?' Emma perguntou estupidamente.

O garçom Mirinniano se aproximou e as duas ficaram em silêncio. O garçom começou a limpar a mesa com dois de seus tentáculos, mantendo os outros dois pendurados ao lado do corpo.

'Gostaria de algo mais?' ele perguntou, embora já soubesse a resposta.

'Não, terminamos.' Luana levantou-se.

— Os mirinnianos me dão nojo — murmurou Emma depois que pagaram e saíram para a rua.

'Qual parte deles? Seus corpos?' 

A dupla começou a descer em direção à entrada do Subterra.

'Não, é mais profundo, você não tem absolutamente nenhuma ideia do que eles estão pensando.

Eles são tão inexpressivos.

'Talvez eles não estejam pensando em nada. Você sabe, um professor da Universidade tentou desenvolver suas habilidades telepáticas. Mas eles não progrediram em nada.

Aparentemente, eles só conseguiam captar palavras simples.

A plataforma estava deserta.

Emma encostou-se na parede e pensou para onde deveria ir em seguida.

'Onde está Sol?' Luana tirou da bolsa um cigarro feito para ajudar a parar de fumar e levou aos lábios.

– Não sei – Emma respondeu honestamente.

'Meu namorado terá limpado o quarto, levado três dias pra isso e agora mesmo estará assando um frango para nós.' 

Luana sorriu com evidente satisfação. 

Emma fez beicinho.

'Você não acha que Sol pode estar com outra mulher? Ele é um bom partido, afinal. Luana contorceu os lábios ao perguntar isso, reprimindo um sorriso.

Emma nunca havia considerado tal possibilidade. Ela estava muito presa em seus pensamentos sobre si mesma. Mas pensando bem, Sol às vezes passava a noite fora.

'Onde você pode conseguir essas pequenas câmeras espiãs? Eles deixariam alguém como eu comprar uma?

Apenas expressar a pergunta fez Emma corar.

'Para vigilância? Você pode comprar em qualquer lugar e não precisa de licença nem nada. A que imita um botão da camisa  é a mais comum. Mas se a pessoa se despir vai dar pra ver só o teto.

O compartimento da nave chegou à plataforma.

“Pode ir”, disse Emma. Ela desistiu de seus planos de voltar para casa.

'Está bem então. Mas não fique muito chateada com isso, ok? Luana abriu a porta e entrou, Emma a observou apertar o botão e falar o destino desejado no microfone. 

Emma acenou. Assim que o compartimento desapareceu, ela pegou a escada rolante que levava ao nível do solo.

Emma estava olhando para uma pequena tela, que mostrava o rosto de um Meelian homem.

'Isso não é verdade. As pessoas do nosso planeta não são tão imaturas — dizia o homem. A voz, filtrada pelo dispositivo de tradução automática, era aguda e trêmula.

Naturalmente, os dois homens conversavam em sua língua nativa.

— Você é bastante otimista, não é? Como você sabe que não haverá outra Guerra do Ópio? A voz baixa de Sol soou perto do microfone.

— Ah, esqueci que você estudou história terrana. Que país foi que contrabandeou ópio para a China e depois tentou colonizá-lo? Mas, de qualquer forma, a nossa concepção de prazer não é ligeiramente diferente dos terranos? É o sexo e as drogas que fazem isso por eles. Ou então, velocidade, emoção, suspense. Em outras palavras, aquela sensação de vertigem. Havia um leve sorriso no rosto de Gobba enquanto ele falava.

'Isso é verdade. Considerando que sempre podemos nos desligar. Isso não é prazer,é algo mais profundo”, Sol disse seriamente.

— Então, como estão as mulheres terranas? Gobba perguntou, provocativamente.

Emma reajustou sua postura.

'Elas são boas.' Sol disse, sério.

"O que há de bom nelas?'

Sol deve ter se mexido, pois por enquanto a câmera mostrava apenas metade do rosto de Gobba. Onde estivera a outra metade, Emma agora podia ver uma janela com cortinas. 

Era um apartamento pobre em algum lugar.

‘A raça deles conhece a tristeza, mas ela não vem à tona em sua consciência. Também conhecemos a tristeza. Na verdade, nosso sentimento de tristeza é melhor definido. Mas entre as nossas duas raças, são os terranos os mais trágicos. 

Eles têm limitações na forma de decrepitude e morte.' 

'Você se sente orgulhoso porque a morte é algo que você tem que escolher?'

'Sim.'

'Mesmo que essa escolha seja ocasionada pelo desespero?'

'O desespero é uma emoção incrivelmente profunda e clara. De certa forma, é semelhante ao auge do desligamento psíquico. É por isso que não é realmente acompanhado de tristeza. 'Seus pais se foram há meio ano, certo?'

Os ouvidos de Emma se aguçaram com as palavras de Gobba. 

O que ele quis dizer com 'foram'?

— Se eu fosse terrano, teria lamentado e chorado muito quando isso aconteceu. Estudiosos da Terra estão indignados com a taxa de suicídio em nosso planeta. 

Eles não entendem por que fazemos isso, quando poderíamos viver mais tempo. Mesmo alguns Meelianos não entendem o desespero. Aí você acaba como aquela pessoa que viveu seiscentos anos.' 

— Você ouviu que eles morreram recentemente? Em um acidente – uma morte totalmente sem sentido. Pensar em alguém que viveu tanto tempo e nunca compreendeu o desespero. 'Isso é o que foi tão impressionante na morte dos meus pais. É claro que o que eles fizeram não foi nada incomum, mas quando são seus próprios pais, a sensação é diferente. Cerca de meio dia antes de eles partirem, senti a consciência deles se movendo dentro de mim. Onde quer que os Meelianos estejam quando morrem, seus familiares sempre saberão. 

Não entendi completamente o que estava acontecendo, mas isso me comoveu. A voz de Sol ficou rica de emoção.

'Eu posso imaginar.' Os olhos de Gobba adquiriram uma tonalidade terna.

— Mas os terranos não são uma causa totalmente perdida. Em alguns casos, a limitação imposta às suas vidas lhes confere uma energia poderosa. Isso é especialmente verdadeiro para as mulheres. O seu campo de interesse é terrivelmente limitado. Elas são primitivas e fortes. Se pudéssemos de alguma forma... — Usar isso?  Gobba se ofereceu.

— Não gosto de colocar as coisas dessa maneira. E, não, não é isso que eu quis dizer,' Sol disse relutante.

'Está bem então. O que você quis dizer?'

Gobba parou por um instante. A luz vermelha de não tradução acendeu.

Deve ter sido uma palavra exclusiva da língua Meeliana, pensou Emma.

'Sim.' Parecia que Sol assentiu. Emma, que estava ficando cada vez mais inquieta, fez menção de desligar o interruptor. Use isso? Ela ficou furiosa porque Sol compartilhou apenas uma pequena fração de si mesmo com ela. Sua afeição por ela era toda uma farsa – uma farsa, uma imitação pobre. Que idiota eu fui, ela pensou.

'Tive uma ideia. Eu vou embora”, Sol se levantou.

— Tchau, então — disse Gobba.

Sol provavelmente voltaria logo, pensou Emma, e tocou a tela com um dedo. O dispositivo de tradução automática ficou preto, de modo que, à primeira vista, parecia apenas um espelho de maquiagem normal. Ela o fechou na gaveta da cômoda e desceu.

Duas semanas se passaram desde aquela conversa reveladora com Luana.

Depois de pensar muito, Emma tomou a decisão de trocar um botão da jaqueta de Sol por uma câmera escondida.

Emma foi até a frente do bar da casa e tirou uma garrafa de destilado Mirinnian da prateleira. 

O líquido perolado girava dentro da garrafa. Foi um presente de sua irmã mais velha. Emma tirou a tampa e um aroma medicinal agridoce permeou o ar.

Os copos estavam sujos. Ela abriu a tampa da máquina de lavar louça e colocou um copo dentro. 

Em vinte segundos, a luz indicadora apagou. Ela removeu o copo e serviu-se de um pouco da bebida.

O que ela deveria fazer? A tensão que sentiu enquanto olhava para a tela evaporou e ela ficou com uma sensação de exaustão total.

Honestamente, ela se sentia como um cachorro que acabou de desmaiar e morrer.

Emma bebeu. A bebida não tinha sabor, apenas uma textura fria e macia. 

E tudo isso quando abandonei as drogas e me comportei tão bem, pensou ela. Logo estaria sem dinheiro. 

Ela teria que ir pedir um pouco ao pai. Emma estava desempregada há um ano e meio, desde que largou o emprego no Departamento Espacial depois de brigar com o chefe.

O Departamento Espacial – sim, se Sol tivesse algum motivo para estar com ela, poderia muito bem ter algo a ver com o seu trabalho lá. Muito possivelmente, ele estava tentando enganá-la para que roubasse documentos confidenciais para ele. 

Mas então ela foi e... desistiu.

Mas não, isso não poderia ser verdade. Ela era apenas uma funcionária de baixo escalão, carregando fitas em computadores. 

Ela duvidava muito que eles armazenassem qualquer informação ultrassecreta nos computadores. 

As coisas só seriam feitas lá depois que os planos tivessem um certo grau de desenvolvimento. Se Sol quisesse alguém buscando coisas que nunca chegaram à superfície, ele teria como alvo a secretária do diretor.

Emma imaginou a secretária. Ela havia se divorciado há muito tempo e parecia estar solteira desde então. Ela estava na casa dos quarenta agora, mas ainda era muito atraente. Emma encheu o copo.

Afinal, o que ela estava fazendo, seguindo uma linha de pensamento tão ridícula?

Tentando estabelecer um vínculo entre Sol e a secretária – sinceramente! E ainda assim, ela estava convencida de que Sol estava tentando garantir a proteção de seu planeta natal. Como tal coisa poderia ser alcançada? Se tudo se resumisse à pura força militar, Meele não duraria um segundo. E dificilmente a Terra iniciaria uma guerra sem motivo.Uma razão: eles poderiam acusar os Meelianos de conspirarem contra a Terra – nem importava se era uma invenção total – e então espalhar a ideia.

Os Meelianos carregam algum tipo de vírus mortal, algo assim serviria. 

Não, pensando bem, isso não era bom. Eles realizaram verificações rigorosas e desinfecção no espaçoporto. Na verdade, eram os terranos que espalhavam doenças.

Recentemente, houve um surto de uma cepa terrana de gripe em Meele. Os Meelianos que vivem na Terra ocasionalmente morriam de um breve resfriado. 

Para eles, morrer antes de atingirem o seu potencial, antes de atingirem o desespero absoluto ou a decisão de morrer, deve ter sido verdadeiramente trágico.

Emma apoiou um cotovelo no balcão. O álcool estava gradualmente subindo à sua cabeça. Seu corpo parecia mole e quente. 

Aqueles filhos da puta enganadores de Meelian!

Lá fora, o dia ficou mais escuro.

Sol ainda não havia voltado. Por que ele estava demorando tanto?

Ela enfiou a mão dentro do bolso. Havia duas notas e algumas moedas ali. Ela poderia calcular aproximadamente quanto tinha sem olhar. 

Que habilidadezinha mequetrefe ela conseguiu desenvolver!

Emma pegou o casaco e saiu de casa em direção ao restaurante da esquina. Havia um garçom Meelian trabalhando lá –  seria possível  não esbarrar com eles? 

Com uma cara taciturna, Emma passou pela sopa, pelo pão e pela omelete. 

Ela estava se preparando para sair, sem se dar ao luxo de tomar um café depois do jantar, quando um homem entrando a cumprimentou. 

'Oi!' 

Quem era esse mesmo?

'Você mora por aqui? Eu esqueci. 

Ah, sim, esse era o cara que a acompanhou até em casa recentemente. 

O nome dele era … Ceno.

'Você está sozinha?'

“Sim”, respondeu Emma, olhando para o chão.

'Você não parece muito feliz, e aí? Quer tomar um café comigo?

Tomando a decisão por ela, Ceno sentou-se perto da janela, levantando uma mão para pedir dois cafés.

'Eu gostaria que o meu fosse fraco.' 

O local só tocava músicas antigas: havia 'Time of the Season' e 'Sunny', seguido de 'Also Sprach Zarathustra'. 

Agora eles tocavam “La Reine de Saba”, de Raymond Lafèvre.

Eu moro por aqui também. Por que você não vem até minha casa? Ceno disse com a maior naturalidade enquanto estavam no meio do café.

'Hmm...' Emma estava com vontade de se divertir um pouco, mas havia algo em Ceno que parecia difícil de definir. 

Ele disse que trabalhava para uma emissora de TV, mas era impossível dizer se isso era verdade. Agora Emma se lembrou de um cara com quem ela namorou há algum tempo e que, quando eles brigaram, disparou os insultos mais terríveis de uma forma supostamente irônica. 

O menos ofensivo foi 'sua membrana mucosa imunda'. Por que ela de repente pensou nele?

'Hoje nao.'

'Sério? Por que está tão fria, hein? 

Emma odiava que falassem assim com ela. Ela prendeu a respiração e depois expirou lentamente.

'Eu disse algo errado?' As palavras de Ceno expressavam preocupação, mas ele parecia irritado. 

Comecei a ver os homens de forma diferente desde que estive com Sol? Ela imaginou.

Oh, Sol, seu porco vigarista!

Eu estou indo para casa.' Ema se levantou.

— Eu acompanho você. Ceno também se levantou, aproveitando o momento para apertar a mão dela, com muita naturalidade. Ela a puxou, com medo.

De volta para casa, Emma foi direto para o bar, sem subir as escadas.

Ela estava gostando muito daquela bebida cor de pérola.

Emma ouviu um barulho vindo de cima. Ela se encolheu, quase deixando cair o copo. Sol deve estar de volta.

Então ouviu algo que poderia ter sido um espelho se quebrando.

Será que ele havia percebido que não era apenas um espelho de maquiagem normal?


Emma!' Ao ouvir uma voz áspera lá de cima, Emma abraçou a garrafa.

'Suba as escadas.'

Olhando para cima, Emma viu o rosto de Sol na porta, estranhamente pálido, com uma expressão tensa.

'Eu não quero.'

'Apenas suba.'

Relutantemente, Emma forçou um sorriso. 'Você promete não ficar com raiva?' Por um breve momento, Sol deu-lhe um leve sorriso. 'Eu prometo.

'O que é isso?' Sol apontou para os pedaços da tela agora espalhados pelo chão.

'É um espelho de maquiagem.'

Os olhos de Sol brilharam com uma luz feroz. Ele olhou para a tela arruinada por um tempo.

'Sim, posso ver que é um espelho de maquiagem.' Ele se sentou na cama. 

“Um espelho com um dispositivo de tradução embutido”, acrescentou, como se falasse consigo mesmo. 

Como ele sabia?

"Você poderia...hmmm quer uma bebida?"

Hum' Você é alcoólatra agora?' A voz de Sol estava calma e contida. 

Ele não tirou os olhos de Emma.

'Não.' Emma balbuciou.

'Ok, vou tomar uma bebida.'

Ela lhe deu um copo e serviu um pouco da bebida. Sol não estava usando jaqueta. 

Ela olhou em volta e a viu na cadeira. 

Seu terceiro botão foi arrancado.

'Luana encontrou. Ela é esperta. 

Luana? Mas foi ela quem incentivou! não pode ter sido ela, não fazia sentido. Será que ela deliberadamente tentou deixa-la enciumada?

'Quando vocês dois se conheceram?' Emma tentou parecer casual, mas sua voz tremia.

— Você nos apresentou há cerca de meio ano.

"Eu não fiz!' A raiva explodiu em Emma.

— Mas só nos tornamos amigos há cerca de dez dias. Eu precisava da ajuda dela. 

"Então você a usou. Como você fez comigo."

Diga-me quando exatamente usei você. O tom de Sol foi contundente.

'Não fique com raiva. Foi você quem disse isso. 

—"Então você estava assistindo? Bem, nesse caso você saberá que não fui eu que disse isso, foi Gobba."

"Sim."

As lágrimas de Emma a pegaram de surpresa. Depois que ela começou a chorar, não havia chance de ela parar. 

Ela ficou imóvel, segurando o copo enquanto as lágrimas rolavam pelo seu rosto.

Que homem podre você é!' 

A voz dela estava tremendo tanto que foi muito difícil pronunciar as palavras.


'Isso não é verdade. Você entendeu mal. Sol se levantou e foi abraçá-la. 'Eu estava tentando fazer com que Luana nos trouxesse coisas – reagentes, amostras de medicamentos e assim por diante. É por isso que eu precisava fazer amizade com ela.

'Não me toque. Você não pode me enganar assim. Sol passou os dedos pelos cabelos dela.

'Ela tem suas suspeitas sobre os métodos do Departamento Espacial, veja bem.

Eles procuram os pontos fracos de outros planetas e depois tentam entrar pelas frestas. 

Para eles, Meele é apenas... Vamos lá, pare de chorar! O que foi?' Sol tentou levantar o queixo. Emma resistiu.

'Não estou mais chorando. Mas você é um espião, não é?' 

Ele bufou. 'Sua maneira de pensar é tão infantil! Um espião? Espião é o seu amigo. Na luz suave da sala, o rosto de Sol retomou a sua expressão regular. A palidez tensa havia desaparecido.

'Quem?'

— O homem que trouxe você até a porta. Onde você o conheceu?' 

'Isso importa? Ele é apenas um cara que eu conheço. Não é um amigo, e definitivamente não é o tipo de amigo que... 

— Não estou questionando a natureza do seu relacionamento — Sol a interrompeu bruscamente. — Estou perguntando onde você o conheceu.

Do lado de fora da loja de chapéus. Eu estava parada perto da

janela. 

' Quem iniciou a conversa? 

'Ele se aproximou de mim, obviamente!'

'De verdade?' Ele olhou dentro dos olhos dela.

'De verdade.

' Sol sentou-se na cama. Com os dedos dos pés calçados com chinelos, ele tentou trazer pra perto dele a tela quebrada.

'Isso quebra como um espelho. Projetado para que as pessoas não suspeitem de nada...


Qual é o nome dele? Sol balançou a cabeça, mexendo nos cabelos que caíam na testa.

‘Hmm...'Ceno.'

'E o que ele faz?' 

'Ele disse que trabalha na TV.' 

Sol não disse nada por um tempo. Emma serviu os copos e sentou-se ao lado dele.

'Você se incomodaria se a guerra estourasse entre a Terra e Meele?' ele perguntou finalmente, com uma voz extremamente doce e gentil – o tipo de voz que as pessoas usam com crianças.

Emma sentiu que poderia chorar novamente. 'Sim.'

Ela se sentia como se estivesse sozinha, descalça e totalmente exausta, nas profundezas da noite.

'Por que?' 

'Porque você seria colocado em um campo de concentração ou algo assim"

"Você não gostaria de me deixar?"

“Acho que não”, respondeu Emma, sem confiança.

— Você acha que não . Isso é tão típico de você. Sol sorriu.

“Não há nada para ter medo”, disse ele.

'Vai haver uma guerra?' 

Ultimamente tenho sentido que está chegando. Ontem, quando saí do Subterra, fiquei tonto e minha mente se encheu de todo tipo de imagens. 

'O que vai acontecer conosco?' Emma perguntou com uma voz frágil. 

Sol colocou os braços entre os joelhos e abaixou a cabeça.

Ele disse bem baixinho: 'Tive uma visão de você morrendo.' 

'Atingido por uma bomba?' 

'Não. Você estava em uma cama. Isso não significa que isso vai acontecer em breve.

Talvez em alguns anos … Quero dizer, em algumas décadas todos os que estão vivos na Terra estarão mortos de qualquer maneira.

“É verdade”, Emma disse, mas por dentro ela se sentia péssima. 

A maioria dos Meelianos tirou a própria vida. 

Foi morte, exatamente igual ao que aconteceu aos terráqueos, mas ainda assim foi totalmente diferente. 

Sol era um alienígena.

Emma apertou a mão dele.

“Não há nada para ter medo”, disse ele.

'Certo.' A cabeça de Emma também começou a baixar.

— Como você se sente com a ideia de sair daqui? 

Emma sabia o que Sol estava pensando, então respondeu calmamente: 

‘Não tão mal quanto antes. Mas não confio totalmente em você. 

'Você é tão honesta.' Ele deu um tapinha na cabeça dela. 'Honesta e boa.' 

De qualquer maneira eu sinto que estou começando a confiar em você. 

"Você viu? Você me assistiu com a Luana? 

Emma negou com a cabeça.

'Você não viu? Bem, isso é um alívio. Sol deu um sorriso alegre. Era como se ele estivesse tentando animá-la.

'Foi completo?' Emma sorriu pela primeira vez naquele dia.

'Sim, bastante completo.'

'O suficiente para me fazer perder a confiança em

você?'

 'Sim, provavelmente.' 

Uma leve amargura se espalhou por ela. Isso era ciúme?

Mas não, por Luana não era ciúme o que Emma sentia. Este era um sentimento que ela já tinha tido antes.

Sem saber, Emma tinha ciúmes da própria existência de Sol neste mundo.

Sol era impossível de entender.

Mesmo quando ela se agarrava a ele assim, ela sentia que a maior parte dele estava vagando sozinho por algum território desconhecido. Mesmo em seus braços, ele sempre conseguia libertar-se, tornar-se livre.

Ela o invejou por isso. Sol era um alienígena.

"O que foi?' 

'Eu me sinto tão solitária.'

'Esse sentimento irá embora quando você aprender a confiar completamente em mim.' 

'Confiança total é uma ilusão.' Emma descansou a cabeça em seu ombro.

"E quanto ao perdão completo, então? 'Perdão

total...'

Emma ergueu a cabeça e o encarou.

Ela disse bem devagar: 'É realmente complicado. Acho que não tem como fazer isso. 

'Mas se você conseguisse, você não se sentiria sozinha.' 

"É verdade — ela concordou sem muita energia.

O problema com você é que você nunca está satisfeita.' 

Emma sabia que ele não estava falando sobre qualquer satisfação racional – ele estava falando sobre a condição espiritual dela.

Ele a envolveu em seus braços.

'Ceno é um nome falso. Gobba fez algumas pesquisas sobre ele enquanto fazia uma lista de todas as pessoas ligadas ao Departamento de Informações. 

Fiquei muito surpreso quando olhei pela janela e o vi parado ali, te  garanto. 

O mundo ao seu redor continuou se movendo, apesar de seus desejos e sentimentos, como um enorme rio. 

A superfície pode parecer calma, mas por baixo existe uma corrente rápida e forte, exercendo uma pressão silenciosa sobre eles.

Emma foi envolvida por um sentimento de solidão insuportável..

“Tire a roupa”, instruiu Sol. Emma tirou o suéter e depois baixou a saia justa com fenda. 

O tipo de roupa que ela usava não estava mais na moda. Hoje em dia, homens e mulheres usavam macacões feito de tecido grosso. Por cima usavam casacos metálicos ou mantas grossas de malha.

Sol disse uma vez que a maneira como ela se vestia era “maravilhosamente excêntrica”, mas que “ficaria ainda melhor com um toque mais dos anos 1930”. 

Ele sempre se expressava de forma direta e honesta, o que lhe dava um ar de incrível inocência.

— Se ao menos suas meias tivessem costuras. Você já ouviu falar em ligas? Aqueles elásticos largos que as pessoas costumavam usar para segurar as meias no lugar? Sol disse, enquanto observava Emma tirando a roupa.

'Sim, eu vi uma foto de alguns em um livro sobre história da moda. Você vê às vezes também em filmes antigos.

Ligas pretas bordadas com rosas vermelhas - ah, elas me deixam louco.' 

—Onde você ouviu falar delas? 

“Ah, no mesmo lugar que você”, disse Sol, pego de surpresa e parecendo entrar em pânico.

'Elas são caras e muito difíceis de rastrear. Pegue algumas para mim da próxima vez.

'Mmm', Sol cantarolou evasivamente. 

Afastada de sua melancolia, Emma olhou para o

rosto verde que pairava sobre ela.

Emma não tinha dormido na noite anterior – Sol não tinha voltado para o apartamento.

Dois meses se passaram desde o incidente da tela quebrada, e a atmosfera entre eles tornou-se cada vez mais insuportável.

Graças à insônia, chegava toda sonolenta à tarde.

Finalmente foi para a cama, às seis da tarde. Não fazia nem vinte minutos que ela estava dormindo quando Sol a acordou.

Temos que ir. Deixe tudo para trás. 

Ela entendeu imediatamente o que ele quis dizer.

Em uma sacola grande, Emma enfiou alguns livros e comprimidos para dormir.

Os cinebooks provavelmente teriam sido uma opção melhor do que o papel antigo – eles eram menos volumosos, o que significava que ela poderia ter levado mais. Mas os cinebooks exigiam lentes de contato especiais para leitura – se acabassem, já era. 

Emma teve que tomar nota: ela não sabia para onde estava indo.

Na entrada, ela se moveu para calçar seus saltos altos vermelhos, mas Sol a impediu.

Ela fez beicinho e optou por umas sapatilhas, embora isso lhe parecesse uma vergonha terrível.

Sol não pronunciou uma palavra durante a viagem de heli-táxi. Esse fato por si só transmitiu a urgência da situação.

Quando chegaram ao apartamento de Gobba, ele já estava esperando por eles lá fora. Havia outros dois lá também, ambos Meelianos.

'Vamos pintar seu cabelo e sua pele de verde. Não se preocupe, é apenas uma base para que você possa removê-la facilmente com este spray. 

Também não vai sair se você suar — explicou a mulher com sotaque.

'Para que tudo isso?' Emma perguntou enquanto pessoas a cercavam, enfeitando e cutucando.

— Há uma mulher que morreu há dois dias. Uma amiga minha. A morte dela não foi comunicada ao Departamento Espacial, então você vai fingir ser ela. 

Olhando para a foto que lhe foi mostrada, Emma viu que a amiga era de uma beleza do calibre de Vivian Leigh. 

Sua confiança despencou instantaneamente, mas a mulher, que parecia ser uma espécie de esteticista, começou a fazer sua  maquiagem.

Enquanto isso acontecia, os três homens estavam ocupados contatando várias pessoas.

— Partiremos dentro de três horas, no último voo do espaçoporto. 

'Se o nosso partido for constituído apenas por Meelianos, ficaremos bem. Mas se eles descobrirem - ele acenou com a cabeça em direção a Emma -, isso pode significar problemas.

‘Mas se todos os Meelianos da área de Tóquio simplesmente desaparecerem, eles ficarão desconfiados, não? 

Afinal, todos os Meelianos da Terra irão para casa dentro de um mês.’ 

— Se é isso que o preocupa, acho que a história sobre uma peregrinação de sete anos deverá nos cobrir. 

Também estamos realizando pesquisas históricas, por isso o governo terrano não pode reclamar. 

O verdadeiro problema ocorrerá quando voltarmos para Meele. 'Sim, porque nenhum dos repatriados tem qualquer intenção de voltar à Terra. 

O governo terrano pode não gostar, mas dificilmente poderá usar isso como razão para iniciar uma guerra interplanetária. 

Os outros planetas não aceitariam isso. 

'Você diz isso, mas os outros planetas têm seus próprios interesses, e isso complica as coisas.' Emma recebeu roupas estilo Meelian para vestir.


'Ah, é Marianne de ma Jeunesse! Embora as proporções estejam um pouco erradas”, disse Sol, fazendo um gesto teatral.

O processo de triagem no espaçoporto correu bem. 

– É porque eles são apenas temporários – explicou Gobba a Emma. 

'Os funcionários regulares estão de folga com problemas estomacais... Eles comeram muita carne selvagem Mirinniana.'

— Você é tão calhorda, Gobba — interrompeu Sol.

— Isso é pra sua grande e antiga história de amor, Sol. 

Uma em Tóquio, uma em Ginza... — Gobba começou do nada a cantar a letra de uma canção antiga. 

O espaçoporto estava quase vazio. Sol levou um cigarro aos lábios, enfiou as mãos nos bolsos e começou a dar desculpas: 'Estou te dizendo, não é assim.'

'Com que linha estamos voando? Novo espaço mundial? Ou Serviço Espacial Stardust? Emma perguntou baixinho.

— Não, não é uma das grandes. Estamos pegando a Linha Espacial Meele. Sol jogou fora seu último maço de cigarros com uma expressão arrependida.

'Obrigado Senhor. Pelo menos o capitão e o engenheiro serão Meelianos. Fiquei com medo de que você estivesse planejando fazer um vôo espacial no meio do caminho. 'Se fizéssemos isso, estaríamos fazendo exatamente o jogo da Terra. 

Procurei a lista de passageiros e fiquei surpreso ao ver terráqueos lá, mas descobri que todos eles têm sangue Meeliano. 

É difícil entrar no Meele hoje em dia.

Só há dois grupos terranos que podem entrar: a Comissão de Investigação Científica, que freta os seus próprios voos, e uma empresa de produtos agrícolas.

Mas mesmo com eles, existem poucos terranos nas cargos superiores. 

O resto dos trabalhadores são pessoas de outros planetas, como nós.' 

A ansiedade cresceu em Emma. 

Ela pegou o braço de Sol e fez menção de perguntar algo.

'Hora de ir.' Olhando para a tela de informações, Sol deu um tapinha nas costas dela, incentivando-a a seguir em frente. 

O anúncio ressoou pela sala de espera vazia.

Ao redor deles, pessoas de rosto verde lentamente se levantaram e seguiram até a entrada do anel viário.

“Esta é a minha primeira vez numa nave espacial”, disse Emma. 'Eu nunca estive em Marte. Mas minha irmã foi para Kamiroi em lua de mel. 

'Ah, é?" 

Sol parecia absorto em seus próprios pensamentos. Isso não era novidade para ela, mas naquele momento Emma achou aquilo particularmente angustiante. 

Ela apertou o braço dele com mais força.

À frente deles, a enorme forma prateada da nave espacial apareceu.

E assim começou a vida na cabana de teto baixo creme. Emma dividia quarto com Sol, mas ele estava sempre fora fazendo alguma coisa. Nas raras ocasiões em que ele voltava para a cabine, ele se desligava rapidamente. 

As conversas deles eram fragmentadas e ela tinha a sensação de que ele estava tentando evitá-la de alguma forma. 

Na hora das refeições, a comida dela, e somente a dela, era levada para o quarto em uma bandeja como as usadas nos hospitais.

'Não posso fazer nada a respeito. Tenho que comer com os outros na cantina para que possamos traçar nossos planos e conversar sobre todas as possibilidades – explicou Sol pacientemente, apertando sua mão.

'Mas eu sou o única que está sendo excluída. Sei que é porque sou terrana. 

Uma situação complexa estava se desenrolando, passando ao largo da compreensão de Emma – e Sol estava escondendo isso dela.

'Eu gostaria de nunca ter conhecido você. Deixei minha família e minha casa para trás, e tudo o que você faz é me isolar."

'De novo isso. Por favor, tente entender minha posição." 

'E como vou fazer isso? Não tem como se não tenho ideia do que está acontecendo!'

'Olha, eu entendo que você esteja com raiva porque está enfiada sozinha aqui. Mas não podemos deixar você andar por aí, os sentimentos deles também devem ser considerados.’ 

'Não estou bem, Sol. Sinto que estou enlouquecendo.

Se ao menos Sol olhasse nos olhos dela quando estivessem se falando. 

Ele começou a perder peso e ficou letárgico, apenas seus olhos sugeriam sua antiga energia com um brilho de cor intensa. Ele parecia uma libélula.

Ele estava comendo corretamente? Estava dormindo o suficiente?

'Acho difícil respirar, Sol. Não tenho apetite e sinto tonturas o tempo todo. Sintomas tão graves não podem ser apenas uma questão de mudança no ambiente. Também não creio que seja uma questão de a comida não me fazer bem. Tem alguma coisa na comida daqui? Algum tipo de droga? Sol continuou olhando para a parede. 

Ela tentou tocar seu ombro, mas então sentiu, instintivamente, que não deveria.

Observando seu rosto de perfil, ele parecia indescritivelmente deprimido.

"Vou mandar chamar um médico”, disse ele depois de um tempo, com a voz rouca.

'Ainda não chegamos lá? Quanto tempo mais vai demorar?

‘O piloto da nave não é muito bom em navegar nas dobras. Ele conseguiu a sua licença há mais de trinta anos. Ele se virou para olhar para ela e sorriu.

'O que você está escondendo, Sol? O que aconteceu?' Ela estendeu a mão e tocou seu ombro.


'Não estou escondendo nada!' Sol rugiu. Ela viu um espasmo muscular em sua bochecha. 

Seus olhos se estreitaram e brilharam com uma violenta luz verde. 

Seu rosto branco parecia feito de plástico.


'Estou farta disso! Eu quero voltar para a Terra!' Emma gritou, sua voz vacilante.


'Volte então! Agora mesmo! Faça-os enviar um foguete de resgate. O rosto de Sol ficou pálido e transparente. Emma se levantou, tentando passar por ele e sair da sala.  

No último momento, o braço de Sol voou e a derrubou. Emma registrou o golpe na testa e depois veio a dor. Sol apertou o punho que usou para socá-la com a outra mão.

“Não faça barulho”, disse ele com uma voz estranhamente contida. 'Se você não pode confiar em mim, então me perdoe. 

Mas mesmo que você não consiga fazer isso, você não pode simplesmente desistir. Sua voz recuperou a compostura habitual. 

Ele parecia triste.

— Você não deve esquecer, Emma. 

Nunca esquecerei como você era quando te conheci e todas as coisas que aconteceram desde então.

Por que você acha que não temos uma guerra no meu planeta há dois milênios? 

É porque não esquecemos. 

Não esquecemos o medo ou a tragédia. 

Quando sentimentos como esse são poderosos o suficiente, eles entram em nossos genes – apenas uma pequena quantidade, mas é tudo que é preciso. 

Quando uma emoção é suficientemente forte, nunca podemos esquecê-la.'

Emma pressionou a mão no caroço que já se formava em sua testa.

'Isso doi?' Sol disse, aproximando-se e tocando seu rosto.

'Sim.'

'Por que você esquece as coisas tão rapidamente? Os meelianos nunca poderiam olhar para trás e ver a guerra com nostalgia – nacionalista, planetária ou de outra forma. 

Nossos sentimentos não mudam nem se desgastam com o tempo. 

E assim, quando atingimos uma certa idade – isso difere de pessoa para pessoa, mas quando a capacidade mental dessa pessoa atinge o auge, significa que a sua hora chegou.

Agora Sol a olhava diretamente nos olhos, falando com uma voz que era quase um sussurro, como se estivesse tentando acalmá-la para dormir. 

Ela podia sentir o cheiro de seu hálito.

'Isso vai acontecer com você também, Sol?' Ela desviou o olhar dele.

'Sim.'

'Quando? Você não está tentando me dizer que sua hora está chegando?

'Não posso dizer. Mesmo que eu soubesse, não poderia contar a ninguém”, disse ele. Ele parecia estar sofrendo.

Há algumas pessoas que contam aos outros?' 'Eu suponho.' 

O silêncio reinou entre eles. A cabana não tinha janelas, então não havia como olhar as estrelas lá fora.

Quanto mais ela teria que suportar esse confinamento por razões que ela nem sequer entendia? O teto creme parecia diminuir o tempo todo.

Emma podia ouvir o ronco fraco de um motor. Aquele era o computador da nave? Não haveria retorno à Terra, Emma pensou consigo mesma.

'Estou exausta.' Ela voltou para a cama. Ela tinha todo o tempo do mundo para dormir. 

Isso foi tudo que ela fez ultimamente. A cada dia ela ficava mais magra e frágil; a cada dia mais de sua força física a abandonava.

“Amanhã vamos nos casar”, disse Sol ao sair da sala.

Emma sentiu-se tão desanimada que não sabia o que fazer consigo mesma. Parecia que ela estava caindo em um poço escuro e insondável. 

Fez um esforço máximo para sair da cama.

Para o casamento, Emma não tirou o traje espacial interno. Estava se sentindo péssima durante a cerimônia. 

Foi sendo arrastada para o casamento.

Quando tudo acabou, Emma voltou para a cama e recebeu remédios e uma injeção. Vou morrer em breve, pensou ela.

É possível que eu esteja sendo usada como cobaia aqui.

Gobba apareceu em seu quarto. 'Como você está se sentindo?'

'Horrível.' Fez um esforço para as palavras saírem, sua voz estava rouca.

Você não está feliz?' ele perguntou solícito.

'Como se eu pudesse ser feliz! Nunca imaginei que casar com Sol pudesse me fazer sentir tão mal. Eu sei que tudo isso faz parte de alguma trama. Ela lançou a Gobba um olhar penetrante.

'Você não deveria falar muito, você vai se cansar.' 

'Você acha que eu me importo? Eu vou morrer em breve de qualquer maneira. Falarei o quanto quiser.

Vocês todos podem se foder e morrer! Haverá muito tempo para o seu maldito raciocínio então!

'Olha, o governo terrano anunciou que a irmã do diretor do Departamento Espacial foi sequestrada por Meelianos. 

Tivemos que fazer uma cerimônia de casamento para mostrar que foi consensual. Mas o lado da Terra não vai acreditar, de qualquer maneira. Vão dizer que você foi chantageada ou concordou sob a influência de drogas. 

Claro que não é como se eles acreditassem nessas coisas, mas essa é a mensagem.' 

'Nada disso importa para mim.' Emma estava se sentindo totalmente desesperada. Quão miserável seria dar seu último suspiro em uma nave espacial como esta!

— E eles também estão atribuindo outro crime a Sol. Você conhece a Luana? Ela foi morta dois dias antes de partirmos.

'Oh, eu não ficaria surpresa que Sol tenha feito isso', Emma lamentou.

Sol escolheu esse momento para entrar na sala.

Emma olhou para ele, olhos cheios de malícia. 

Gobba se despediu e Sol se sentou na cadeira, os olhos brilharam quando pousaram nela.

O barulho do computador foi acompanhado por uma batida diferente e um som surdo ressoou por toda a sala. 

Sol ficou lá sentado, sem dizer nada.

— Então você está sendo acusado de assassinato? Isso é ótimo. Emma disse, tossindo. 

Ela até conseguiu dar um leve sorriso.

— Você acha, não é? Seu rosto tinha um tom estranho, como se ele estivesse com febre.

'Não sei o que você fez com a Luana, mas sei que aos poucos você está me matando.' Ela estava sem fôlego. 

Isso machuca.

'Por que você pensa isso? Por que eu teria trazido você comigo se planejasse fazer uma coisa dessas? 

'Você fugiu do seu plano original. Aconteceram coisas que você não adiantou. 

Além disso, as pessoas do seu planeta me odeiam. Eu não sou necessária. Sou excesso de bagagem. 

Emma agora estava totalmente convencida de que algo tóxico estava sendo misturado em suas refeições e remédios. E Sol estava deixando tudo isso acontecer. 

Agora não é hora de tentar pensar sob a perspectiva dele ou sobre como ele pode estar se sentindo.

— Esta é provavelmente a última vez que irei te ver — ele disse de repente.

Reunindo toda a força que tinha, Emma sentou-se.

'Chegou a sua hora?'

'Não sei.'

O ar entre eles estava sufocante. Emma ligou o rádio. Mesmo que não conseguissem captar nenhuma transmissão da Terra, eles poderiam sintonizar uma estação retransmissora ou os relatórios piratas da Spaceship Broadcasting Corporation.

Não havia notícias no rádio – era tudo música. 'Love Potion No. 9' começou a flutuar no espaço vazio.

Então, esta semana é a semana dos anos sessenta! Fomos inundados com tantos pedidos excelentes de ouvintes que quero tocar todos eles. 

O próximo pedido é “Satisfaction”. Todos vocês já ouviram essa, é  de um grupo chamado Rolling Stones...' 

'I can't get no satisfaction...' Emma cantou fracamente junto com Mick Jagger. Quase imediatamente, ela sentiu falta de ar. Eu vou morrer, ela pensou, e logo.

Ok, e o próximo é... O que...? Bessie Smith? Olha, em primeiro lugar, essa é a década errada, e só porque algo é antigo não significa que seja bom, ouviu? 

Detesto ver o sol da tarde se pôr, dizia a velha Bessie. Bem, eu não me importo, talvez eu toque de qualquer maneira. Cara, com certeza vou ficar desempregado...' 

O monólogo alegre do DJ continuou por um tempo, então 'St Louis Blues' começou, mas não era Bessie Smith cantando.

— Você disse que nunca esqueceria. Isso ainda é verdade? Emma disse.

'Esquecer o que?' Os olhos de Sol estavam vazios. Ele poderia facilmente ter sido um paciente em uma enfermaria psiquiátrica.

'O que aconteceu entre nós. As coisas que você disse.

'Heliocêntrico' de Sun Ra começou. Essa playlist está em todo lugar, pensou Emma, e desligou o rádio.

Sol esticou o pescoço e olhou para Emma com uma expressão que ela nunca tinha visto antes, uma que ela achava impossível de ler.

— Ou você esqueceu, afinal?

O silêncio caiu sobre eles como água inundando a sala. Sol permaneceu em silêncio.

Naquela noite, os últimos pensamentos de Sol entraram na consciência de Emma. E pela manhã ele se foi.

“Esqueci”, disse Sol. 

Uma explosão de jazz moderno e clamoroso girou na cabeça de Emma. Ela soltou um longo suspiro e deixou cair a mão ao lado do corpo.

'Diga!' Emma ordenou com voz de trovão.

Não houve guerra intergaláctica, só um pequeno conflito. 

Seis meses depois, Meele tornou-se uma colônia da Terra.









sábado, 12 de março de 2022

A guerra beneficia a quem? O império americano

Os EUA sempre utilizaram a guerra para lucrar e impor seu império, consideram o que não é americano ou europeu como selvagem.

Em seu próprio território também consideram, primeiro os índios, que foram exterminados e depois os negros que foram escravizados, como inferiores.


A selva não deve se rebelar, nem conquistar independência.


Logo após a vitória contra o nazismo pela URSS, os EUA já consideraram a União Soviética como inimiga.


Para os EUA eles tem de ter o domínio total, não pode haver duas potências, usam de todo o poder de propaganda para se mostrarem como líderes, direcionadores do mundo, reguladores da paz e da democracia, porém desde sempre precisam de guerras para afirmarem isso.


O uso de bandeiras falsas é comum em guerras, o que foi potencializado com a internet.


Os EUA sabiam de Pearl Harbor, deixaram morrer pessoas para terem justificativa para usarem duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, precisaram de um novo Peral Harbor e conseguiram com o 11 de setembro, culpando imediatamente Bin Laden e o relacionando com Saddam Hussein, justificando a invasão do Iraque com outra falsa bandeira de que lá existiam armas químicas.


Tudo sempre foi por conta de recursos naturais para manterem o império e impedirem a independência econômica da “selva”.


Isso foi feito com Cuba, isso foi feito com a Venezuela, isso foi feito com o Irã e China e Rússia.


Não à toa são países que são chamados de comunistas, não à toa são países bem localizados, com portos ou reservas de petróleo, Guantanamo foi utilizado para tomar um porto importante e os embargos pra fragilizar a economia dos rebeldes selvagens. 


A operação falsa do 11 de setembro também conseguiu justificar a implantação de uma vigilância ostensiva de seus próprios cidadãos e de outros países, o que foi evidenciado com Snowden.


A OTAN é comandada completamente pelos EUA e sempre foi utilizada para interesses econômicos.


Os EUA sempre influenciaram trocas de regimes ao redor do mundo, mesmo no Brasil existem áudios do presidente Kennedy autorizando o golpe em Jango, por conta de idéias consideradas comunistas, como nacionalizar as empresas ou reformas que prejudicariam o poderio americano. 


A ditadura financiada pelos EUA também era apoiada pela elite brasileira, que marchou pedindo por intervenção, por Deus, pela família e pela pátria, com suas babás a tiracolo, temendo a perda de privilégios 


Não à toa algumas empresas americanas faturaram muito em terras brasileiras utilizando a mão de obra subserviente ( palavras do dono da Volkswagen, que colaborava com o DOPS para prenderem sindicalistas e grevistas).


A Volks tinha famosos nazistas em altos cargos, as empresas de automóveis ganharam muito dinheiro  explorando nossa mão de obra e calando quem ousava protestar.


A ditadura conseguiu até treinar índios para criar uma polícia própria para oprimir e torturar o próprio povo, inclusive desfilando com um cidadão em um pai de arara.


Voltando aos EUA, colocar fantoches comandados por eles ao redor do globo é pratica comum independe de partidos, democratas ou republicanos.


A chamada guerra híbrida é muito mais barata, quando eles querem guerrear não gastam dinheiro, eles geram guerras em outros países para venderem armas, eles não precisam disso, e se caso algum país invadir os EUA, eles tem todos os outros da Europa para ajudar, o que nunca irá acontecer por conta da bomba nuclear, que serve para disuasão.


Gerar polarização e caos é o intuito, estudando muito bem os povos e seis costumes, podem ser inimigos religiosos, étnicos, políticos.


O que aconteceu nas chamadas revoluções coloridas , incluindo o que aconteceu na Ucrânia, é prática reutilizada à exaustão.


Utilizar da insatisfação legítima de parte de um povo ao fato criado e disseminado pela mídia, infiltrar grupos patrocinados por dinheiro americano (doado para ONGs libertárias, supostamente neutras, que fingem ser a favor da liberdade mas são neoconservadoras e seguem a cartilha do império americano) para arregimentar uma multidão para os protestos e proibir o uso de bandeiras políticas, usar infiltrados para gerarem caos e tornarem a situação insustentável para justificar um golpe e mudança de regime em favor dos americanos.



Não deixem os selvagens se tornarem independentes. 


Isso é usado para todos os países fora da Europa e EUA.


Todos os demais moram em florestas, falam línguas estranhas, não são civilizados, tem religiões e culturas desconhecidas, não são democráticos.


São um espelho deformado e não foram criados a imagem e semelhança de um Deus embranquecido e criado por eles mesmos, como mito criado e emprestado das religiões anteriores.


As mortes nesses países não são dignas de comoção, os ataques militares americanos nessas regiões são justificados porque são inumanos, selvagens.


A China, a Rússia e a Índia estavam se organizando a algum tempo, os EUA estão tentando desmantelar isso de todas as formas.


Não é uma defesa pela troca de um império pelo outro, mas sim pelo equilíbrio.


Os muito ricos querem continuar ricos e inventam todo tipo de distração para que tudo fique com está.


Trocamos liberdade por segurança e enfim ficamos sem nenhum dos dois.


Todos os filmes americanos no auge da guerra fria fizeram os ocidentais odiarem os russos, depois os povos do Oriente Médio, ou algum ditador maluco de algum país da América Latina.

Mesmo o filme que forçadamente deu o Oscar de direção para Katherine Bigelow, A hora mais escura , foi uma peça de propaganda da CIA, que ofereceu ajuda no roteiro como se estivesse passando informações em.primeira mão, aliás a CIA influenciou diversos roteiros de Hollywood, eles dominam a narrativa no cinema para criarem a realidade.

Todos os filmes americanos propagam que os ricos são ruins, mas nunca se confrontam essas pessoas, apenas se resignam a continuar tudo como está.


Deixem o dinheiro para os ricos, não traz felicidade. Tenham menos, lutem menos, façam movimentos e frases que não nos afetem, de preferência algo que possamos usar como slogan nas campanhas de publicidade das nossas empresas.


Todo canal de televisão tem entrevistas com o movimento negro, a favor das mulheres, a favor dos gays, são avanços e deve ser comemorado, mas ninguém pode ir nesses programas criticarem a classe dominante, os ricos, porque eles estão lá nos programas dominicais entregando prêmios e humilhando pobres.


Criticam políticos só quando não é quem os EUA querem. 


A Globo apoiou a lava jato e ainda apoia Sérgio Moro.


É preciso enxergar para onde vai o dinheiro e a quem favorece, sempre.


Quem está dizendo o que vai acontecer está criando o que vai acontecer.


Usaram a Ucrânia para isso e foi uma estratégia que para eles parecia perfeita.


Colocaram um presidente fantoche que não fala por si só, que utiliza civis como escudo humano, que proíbe cidadãos de deixarem o país e os obriga a lutar com coquetéis molotov contra tanques, apelando para o patriotismo, não tem pudor em colocar soldados em hospitais e escolas infantis para gerarem comoção ( lembrando que crianças e sua inocência são utilizadas o tempo todo para emocionar em nível profundo, visto que animais não participam da guerra, senão seriam gatinhos, porém tem de ser crianças brancas e européias).


Lembrando sempre que Putin é um autocrata que possui vários crimes,


Ninguém merece ser endeusado,  nenhum deles, porém o espetáculo que a mídia está criando para forçar o storytelling de herói imaculado versus vilão malvado nem a Marvel faz mais.


Não importa que na Ucrânia existam milícias neonazistas e que estejam sendo armadas e financiadas e que Zelenski tenha soltado esses mesmos milicianos que estavam presos para lutarem junto com outros que já estavam anexados à guarda nacional.


Lembrando que foram os soldados russos que venceram os nazistas.


A agenda norte americana independe de quem seja o presidente, seja Obama, Bush, Clinton, Trump, mesmo o Bernie Sanders 


Os russos são chamados de negros da neve pelos europeus e americanos.


O desespero norte americano é tão grande que estão pedindo petróleo para os selvagens, para o Irã e para a Venezuela.


Esses países vão pedir fim das sanções e uma série de imposições para depois venderem petróleo e se capitalizarem, mas não há outra saída para os EUA, as sanções que estão impondo à Rússia vão torná-la mais forte, mais independente e unida à China. 


Mesmo que se desestabilize o mundo todo os EUA não podem permitir o avanço econômico da Eurásia.


E não é só pelo direito de a Ucrânia escolher entrar na OTAN.


O avanço da OTAN ao leste foi uma agressão e o presidente da Ucrânia e Biden nunca escolheram a paz e a negociação.


Em nenhum momento.


A Europa vai sofrer também sem gás e com o preço dos alimentos e da gasolina nas alturas.


Perguntem se qualquer desses países querem sair dessa economia de petróleo?


Os EUA tentaram implantar um Vietnã para os russos no Afeganistão, não conseguiram, agora tentam novamente na Ucrânia.


Putin conhece o território, está fazendo uma operação minuciosa, com poucas mortes de civis, avançando lentamente e com poucos soldados, mas quer resolver o conflito rapidamente.


Porém não tem interlocutores, Biden já tomou o microfone pra si e não deixa o presidente da Ucrânia mediar nada, para Biden quanto mais se arrastar, melhor.


Não há mais civis na Ucrânia, e isso foi proposital, pois a OTAN não mandaria soldados em território ucraniano e o exército russo é imensamente superior, tornando toda a população combatente fica mais fácil usar supostos civis como escudo humano.


A mídia corporativa americana está pautando os noticiários mundiais e demonizando Putin, pintando o presidente da Ucrânia como herói e seu povo como heróico, mas são apenas peões no jogo de xadrez, perdendo a vida para manter o império americano.


O império vai morrer atirando, afagando cabeças para lutarem suas guerras contra os selvagens


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Canções distorcidas para ninar bebês robôs

 


Ainda não tenho a visão clara e sem névoas que tivera outrora, a guerra é um gigante pisando na sua mente, meus camaradas, um impávido, maldoso e esquálido monte de ossos desviando das torres malditas pra esmagar seu cérebro, mastigar cada grão de lucidez.

 Não me venha com discursos e certezas, ladainhas que destróem cada segundo do dia, não quero perder meu tempo sorrindo amarelo e olhando os segundos no relógio, explodindo mentalmente todas as senhas que eu ainda guardo dentro da manga da camisa.

_Um cigarro,por favor, um copo de cachaça e desligue as luzes,por favor.

Ali onde um dia eu segurava meu estômago, de pé e sem piscar, viviam dois kilos de mortes,por sufocamento, mas não era meu passatempo favorito, nem era algo que eu precisava pra encostar a cabeça no travesseiro e trucidar meus sonhos tranquilamente até acordar desesperado e me mover pro abismo como uma prancha mordida por tubarões famintos.

O sonolento garçom me desvia o olhar, peço um pouco mais  de vida, um canudinho e a conta.

Amanhã presto atenção às notícias. 


 

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A sala secreta da videolocadora de Dona Selma

 Era final de setembro, as flores já despontavam no horizonte, as chuvas e o clima quente davam as mãos e passeavam sorrindo pelo começo da primavera.

As mães estavam sentadas nas calçadas, conversando sobre o novo capítulo de Mandala.

Enquanto os siriris esvoaçavam abundantes pela rua os meninos jogavam bolinha de gude em frente à garagem do Carioca , famoso por não devolver nenhuma bola de futebol que caía no seu quintal.

—Escapis.

—Bateu voltou é meu, casquelou morreu.

Os Aventureiros do Bairro Proibido já ia começar na TV, então todo mundo foi pra casa correndo, no mesmo horário.

Quase sempre as mães precisavam gritar lá do outro lado do universo chamando pra tomar banho ou então arrancar pela orelha no meio da partida de futebol.

Os golzinhos feitos de chinelo, os tampões do dedão arrancados e sangrando, as partidas de pião, mãe da rua, estrela sela nova, salva, esconde-esconde, guenta chumbo, cada noite era uma brincadeira diferente.

O sinal do recreio tilintou alto e os cadernos se fecharam em uníssono.

A fila da merenda se formou, hoje era arroz com salsicha.

O prato azul de plástico.

—Vocês viram o filme? —Adilson perguntou e já ensaiou um Moonwalk.

Cada filme que assistiam queriam imitar.

A fita vermelha do Rambo na testa de Everaldo, Os tombos que Luciano levou tentando abrir a perna igual o Van Damme, o golpe louva-deus do Karatê Kid que Adilson sempre tentava reproduzir e o andar robotizado do Robocop que cada um buscava fazer melhor que o outro.

O sinal da volta do recreio zuniu nos ouvidos.

Os alunos olharam para o relógio contando os segundos, até que deu a hora de ir embora e uma revoada de garotos esperava o inspetor abrir o portão.

A tarde seca e ensolarada, o cheiro de feijão fresquinho cozinhando, Chaves começando na TV.

A mochila atravessava a sala e aterrizava em algum canto distante.

—Mãe, to saindo.

—Eita,menino rueiro.

Hoje combinaram de ir até a locadora da dona Selma, era dia de alugar alguns filmes para o fim de semana.

Adilson passou na casa de Luciano, os dois foram até a casa de Everaldo e gritaram, ele saiu e foram todos andando até o paraíso de filmes.

Antes compraram uma tubaína e um sacão de salgadinho de cebola.

—Boa tarde, dona Selma.

—Boa tarde, molecada.

Ficaram horas e horas vasculhando as estantes cheias de poeira, Adilson conferiu se a carteirinha da locadora, que era de sua irmã mais velha, estava no bolso.

Quando estavam olhando a fita do Warriors perceberam uma estranha luz azul vindo de baixo de uma porta que estava trancada com um pesado cadeado.

—Ei, chega aí, olha essa porta—disse Luciano.

Todos se amontoaram e ficaram fixados na luz azul que vinha da porta secreta.

Um grito foi ouvido.

Todos arregalaram os olhos como dois bolicões.

Era um espasmo de dor, nem parecia humano, talvez fosse de algum bicho.

A porta balançou com força e mais um uivo rasgado foi ouvido.

—Ei, aonde vocês vão? Não vão levar nenhum filme hoje?—dona Selma esticou o pescoço a tempo de ver os garotos desaparecerem.

Estavam já na outra esquina, resfolegando e se atropelando para ver quem falava primeiro.

—Vocês ouviram aquilo?—disse um.

—Vocês viram aquilo?— disse outro. 

—Devíamos chamar a polícia—disse Everaldo, o mais medroso do grupo.

—Cala a boca, se dona Selma estiver guardando algum extraterrestre lá dentro ela deve ter contato com a polícia e vão nos prender.

—É isso mesmo, vocês não viram no Fantástico a autopsia do extra-terrestre?

—Temos que entrar naquela sala.

Era sábado, não tinha aula, dia de acordar mais tarde, ficar vendo desenho no programa da Xuxa.

10 horas da manhã Adilson e Everaldo já estavam no portão de Luciano o chamando, com os olhos secos de sono.

—Eae, gente, vamos voltar lá na locadora?

Seu Jair lavava seu Escort XR3 com o rádio ligado.

"Estou há dois passos do paraíso... "

A ladeira foi consumida com passos apertados, logo se viu a placa na entrada:

VIDEOLOCADORA DA DONA SELMA

—Oi, dona Selma.

Ela apenas olhou por cima do nariz, ajeitou os óculos e sentou na cadeira com a cara emburrada.

—Vamos, vamos— disse Everaldo.

Estávamos todos em frente à porta secreta.

Tudo estava muito silencioso, nenhum barulhinho.

De repente um estrondo, uma luz azul intensa escorreu por debaixo da porta, os gritos espancaram nossos ouvidos, em um instante um clarão desintegrou a porta e um tentáculo gigante arrastou Everaldo pelas pernas e o engoliu.

Outro tentáculo estrangulou Adilson, ele gritou, esperneou, o monstro o levantou como um inseto e ele desapareceu boca adentro.

Luciano tentou correr, tropeçou no tapete sujo da locadora, trombou com uma réplica do Indiana Jones, quase escapou, o monstro o enlaçou pela perna.

Ele lutou, deu uma dentada no tentáculo e logo se arrependeu, o gosto amargo quase o fez vomitar.

O bicho o esmagou pela cintura, levantou até a altura de seus cinco olhos e soltou um grito de congelar a alma.

Mordeu uma perna, arrancou os braços, soltou uma gosma fétida e engoliu todo o corpo.

A fita do Alien estava derrubada no chão.

Dona Selma caminhou com o walkman ligado, mascou um chiclete, fez uma bola, olhou para a porta e disse:

—Que coisa feia, Trad.

O bicho solta um arroto.

—Vou ter que comprar outra porta de novo—ela alisou os tentáculos do monstro e sorriu.

—Pelo menos você está bem alimentado.

No alto da sala a plaquinha dizia: Sessão Pornô.


Pessoas que aportaram por aqui: