quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Canções distorcidas para ninar bebês robôs

 


Ainda não tenho a visão clara e sem névoas que tivera outrora, a guerra é um gigante pisando na sua mente, meus camaradas, um impávido, maldoso e esquálido monte de ossos desviando das torres malditas pra esmagar seu cérebro, mastigar cada grão de lucidez.

 Não me venha com discursos e certezas, ladainhas que destróem cada segundo do dia, não quero perder meu tempo sorrindo amarelo e olhando os segundos no relógio, explodindo mentalmente todas as senhas que eu ainda guardo dentro da manga da camisa.

_Um cigarro,por favor, um copo de cachaça e desligue as luzes,por favor.

Ali onde um dia eu segurava meu estômago, de pé e sem piscar, viviam dois kilos de mortes,por sufocamento, mas não era meu passatempo favorito, nem era algo que eu precisava pra encostar a cabeça no travesseiro e trucidar meus sonhos tranquilamente até acordar desesperado e me mover pro abismo como uma prancha mordida por tubarões famintos.

O sonolento garçom me desvia o olhar, peço um pouco mais  de vida, um canudinho e a conta.

Amanhã presto atenção às notícias. 


 

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A sala secreta da videolocadora de Dona Selma

 Era final de setembro, as flores já despontavam no horizonte, as chuvas e o clima quente davam as mãos e passeavam sorrindo pelo começo da primavera.

As mães estavam sentadas nas calçadas, conversando sobre o novo capítulo de Mandala.

Enquanto os siriris esvoaçavam abundantes pela rua os meninos jogavam bolinha de gude em frente à garagem do Carioca , famoso por não devolver nenhuma bola de futebol que caía no seu quintal.

—Escapis.

—Bateu voltou é meu, casquelou morreu.

Os Aventureiros do Bairro Proibido já ia começar na TV, então todo mundo foi pra casa correndo, no mesmo horário.

Quase sempre as mães precisavam gritar lá do outro lado do universo chamando pra tomar banho ou então arrancar pela orelha no meio da partida de futebol.

Os golzinhos feitos de chinelo, os tampões do dedão arrancados e sangrando, as partidas de pião, mãe da rua, estrela sela nova, salva, esconde-esconde, guenta chumbo, cada noite era uma brincadeira diferente.

O sinal do recreio tilintou alto e os cadernos se fecharam em uníssono.

A fila da merenda se formou, hoje era arroz com salsicha.

O prato azul de plástico.

—Vocês viram o filme? —Adilson perguntou e já ensaiou um Moonwalk.

Cada filme que assistiam queriam imitar.

A fita vermelha do Rambo na testa de Everaldo, Os tombos que Luciano levou tentando abrir a perna igual o Van Damme, o golpe louva-deus do Karatê Kid que Adilson sempre tentava reproduzir e o andar robotizado do Robocop que cada um buscava fazer melhor que o outro.

O sinal da volta do recreio zuniu nos ouvidos.

Os alunos olharam para o relógio contando os segundos, até que deu a hora de ir embora e uma revoada de garotos esperava o inspetor abrir o portão.

A tarde seca e ensolarada, o cheiro de feijão fresquinho cozinhando, Chaves começando na TV.

A mochila atravessava a sala e aterrizava em algum canto distante.

—Mãe, to saindo.

—Eita,menino rueiro.

Hoje combinaram de ir até a locadora da dona Selma, era dia de alugar alguns filmes para o fim de semana.

Adilson passou na casa de Luciano, os dois foram até a casa de Everaldo e gritaram, ele saiu e foram todos andando até o paraíso de filmes.

Antes compraram uma tubaína e um sacão de salgadinho de cebola.

—Boa tarde, dona Selma.

—Boa tarde, molecada.

Ficaram horas e horas vasculhando as estantes cheias de poeira, Adilson conferiu se a carteirinha da locadora, que era de sua irmã mais velha, estava no bolso.

Quando estavam olhando a fita do Warriors perceberam uma estranha luz azul vindo de baixo de uma porta que estava trancada com um pesado cadeado.

—Ei, chega aí, olha essa porta—disse Luciano.

Todos se amontoaram e ficaram fixados na luz azul que vinha da porta secreta.

Um grito foi ouvido.

Todos arregalaram os olhos como dois bolicões.

Era um espasmo de dor, nem parecia humano, talvez fosse de algum bicho.

A porta balançou com força e mais um uivo rasgado foi ouvido.

—Ei, aonde vocês vão? Não vão levar nenhum filme hoje?—dona Selma esticou o pescoço a tempo de ver os garotos desaparecerem.

Estavam já na outra esquina, resfolegando e se atropelando para ver quem falava primeiro.

—Vocês ouviram aquilo?—disse um.

—Vocês viram aquilo?— disse outro. 

—Devíamos chamar a polícia—disse Everaldo, o mais medroso do grupo.

—Cala a boca, se dona Selma estiver guardando algum extraterrestre lá dentro ela deve ter contato com a polícia e vão nos prender.

—É isso mesmo, vocês não viram no Fantástico a autopsia do extra-terrestre?

—Temos que entrar naquela sala.

Era sábado, não tinha aula, dia de acordar mais tarde, ficar vendo desenho no programa da Xuxa.

10 horas da manhã Adilson e Everaldo já estavam no portão de Luciano o chamando, com os olhos secos de sono.

—Eae, gente, vamos voltar lá na locadora?

Seu Jair lavava seu Escort XR3 com o rádio ligado.

"Estou há dois passos do paraíso... "

A ladeira foi consumida com passos apertados, logo se viu a placa na entrada:

VIDEOLOCADORA DA DONA SELMA

—Oi, dona Selma.

Ela apenas olhou por cima do nariz, ajeitou os óculos e sentou na cadeira com a cara emburrada.

—Vamos, vamos— disse Everaldo.

Estávamos todos em frente à porta secreta.

Tudo estava muito silencioso, nenhum barulhinho.

De repente um estrondo, uma luz azul intensa escorreu por debaixo da porta, os gritos espancaram nossos ouvidos, em um instante um clarão desintegrou a porta e um tentáculo gigante arrastou Everaldo pelas pernas e o engoliu.

Outro tentáculo estrangulou Adilson, ele gritou, esperneou, o monstro o levantou como um inseto e ele desapareceu boca adentro.

Luciano tentou correr, tropeçou no tapete sujo da locadora, trombou com uma réplica do Indiana Jones, quase escapou, o monstro o enlaçou pela perna.

Ele lutou, deu uma dentada no tentáculo e logo se arrependeu, o gosto amargo quase o fez vomitar.

O bicho o esmagou pela cintura, levantou até a altura de seus cinco olhos e soltou um grito de congelar a alma.

Mordeu uma perna, arrancou os braços, soltou uma gosma fétida e engoliu todo o corpo.

A fita do Alien estava derrubada no chão.

Dona Selma caminhou com o walkman ligado, mascou um chiclete, fez uma bola, olhou para a porta e disse:

—Que coisa feia, Trad.

O bicho solta um arroto.

—Vou ter que comprar outra porta de novo—ela alisou os tentáculos do monstro e sorriu.

—Pelo menos você está bem alimentado.

No alto da sala a plaquinha dizia: Sessão Pornô.


O Duende

 Não lembro ter nascido, repuxo migalhas de memórias e me assombro com o vazio que encontro.

Quando olho para dentro apenas vejo um coração pulsante, como uma espécie de alma gerada pelo medo e pela solidão, um feto subtraído da dor mais profunda, alimentado pelos gritos de sofrimento e devastação.

Porém não tenho alma.

Os caminhos tortuosos que minha mente engendra se repetem, o tempo é um velho amigo, que me afaga com mãos de fogo.

Flutuo por sobre as pedras macias em direção à pirâmide, já está escurecendo, volteio a noite indagando aos ventos o que me atormenta desde que fui gerado.

Sento-me no ar, pernas cruzadas e olhar amarrado, mirando o breve horizonte das matas colocadas no mundo como palitos de dente fincados na terra.

— Onde estará meu genitor? Dou três moedas de ouro para aquele que encurralar a dúvida e fornecer fronteira para aquilo que não sei.

— Onde estará meu pai?

Na escuridão do carvão içado ao céu, na Lua pendurada por fios invisíveis, na melodia surda das corujas que não dormem, os tonéis de eternidade derramados naquele segundo deságuam em outras dimensões.

Os olhos cor de sangue vertendo pálidos sussurros, a fumaça nevoando a noite.

O chapéu cônico pairando sobre a cabeça, o grito horrendo que despedaça a alma:

— Onde está meu pai, onde está meu pai?

As lágrimas de vidro escorrem pela pele riscada.

Por onde cada fantasma, de cada reino, de cada dimensão estivesse, o tecido sobrenatural se enrugava espalhando a morte primordial entre cada fenda e cada fresta.

Não há pai. 
Não há ontem nem amanhã.

O futuro tropeça por entre os mantras cantados em línguas mortas.

Os uivos distantes devolvem à noite sua mansidão.

A seiva alcoólica se derrama pela garganta.

Eu como e bebo como os homens, falo e rio, posso adoecer, morrer e apodrecer também.

Assim como o homem é um rabisco grosseiro de Deus, sou um rabisco grosseiro do homem.

Os cobertores esquivos de cada pedaço de alma encobrem a realidade.

E a ideia pulsa mais uma vez no útero do medo.

Aqui, onde moro por tantos séculos, era uma terra de morte, tristeza e desolação.

Ainda hoje ouço os registros sonoros dos gritos dos leprosos que eram alijados de sua família e depositados aqui para morrerem, isolados.

Gritos que eu sinto em minhas mãos, feridas que sinto o cheiro, almas que assoviam no fundo da minha mente.

Quando se carrega o peso de todos os mortos sobre os ombros, pela eternidade, nosso corpo se achata, se torna menor.

Como o tempo é matéria líquida para mim, meus movimentos são ariscos, rápidos como relâmpagos.

Quando se caminha a passos lentos pela rua estreita das almas e se mergulha na cachoeira da eternidade, não devemos possuir muitos pertences, o universo é nossa casa, a natureza nosso alimento.

A pequena garrafa de seiva alcoólica que nunca acaba e a moeda que tudo compra e nunca é gasta, esses são eles, os objetos que carrego e que me carregam também.

Algumas coisas passam ao largo de minha compreensão, como se eu tivesse sido amordaçado a afazeres sem sentido.

Escondo objetos, roubo coisas, lanço maldições, um surto, um lapso, depois não me lembro de mais nada, tudo some, desaparece, e eu faço tudo de novo, um eterno retorno, uma ciranda que serpenteia através do tempo.

Flutuo até a pirâmide, todos os dias traço o mesmo caminho, o mesmo destino, meus olhos ardem, minha pele se enruga, dou um gole demorado na seiva da garrafa, bebo todo o líquido que logo surge de novo.

Reapareço alguns minutos depois cavalgando um velho cachorro sarnento, uma criança me acompanha com os olhos e sorri, sorrio de volta.

Sinto meu corpo vibrar, meus ossos tremerem, meu sangue ferver, o éter gelar minha consciência, uma consciência pálida e frágil.

A casa da pirâmide é minha morada, é ali que permaneço como guardião protetor desde muito tempo, desde quando nada estava construído.

As pedras de quartzito empilhadas, a vista para todo o horizonte, de todos os lados, as ondas intraterrenas e extraterrenas, o vento sussurrado pelas outras dimensões, tudo faz parte de mim e tem meu nome.

Uma vibração longínqua me fez distrair, cada distúrbio em meu vínculo com os fios invisíveis, cada perda de intensidade energética pode materializar meus pertences, e se de algum modo algum humano os utilizar, coisas terríveis podem acontecer.

Já é tarde, avisto alguns, caminhando com as pernas trançadas, murmurando algo e dando risada.

Sinto a atmosfera rarefeita, respiro com dificuldade, o ar não é meu elemento, é difícil conviver com isso, os fios começam a enfraquecer, a energia se dissipar, percebo que derrubei minha moeda mágica, um pequeno brilho transpareceu e o tilintar do encontro do níquel com o chão reverberou pelas dimensões, o humano agachou e recolheu a moeda, uma moeda comum, que adquiria qualquer valor, e ela sempre voltava, nunca acabava, nunca seria gasta.

Tremi e vibrei, desapareci e reapareci em quatro lugares diferentes.

— Olha essa moeda, cara.

— Que doideira, mano, tá brilhando.

— Tá escrito dez reais, que estranho, não sabia que existiam moedas de dez reais.

— Será que vale alguma coisa mesmo?

— Vamos tentar comprar algumas bebidas.

Acompanhei os humanos com os olhos, materializei-me perto da loja de bebidas e apurei meus ouvidos.

— Quantas garrafas de vinho dá pra comprar com essa moeda?

O garçom assumiu um ar sério e respondeu, como que enfeitiçado:

— Quantas vocês querem?

Os humanos saíram da loja com a mochila cheia de garrafas de vinho, um deles começou a gargalhar e a saltar.

— Mano, vocês me viram entregando a moeda para o cara lá na loja?

Todos eles disseram ter visto.

— A moeda tá aqui no meu bolso, tão vendo?

— Ela tá diferente...espera, tá escrito cem reais aí.

Observei a surpresa, a vaidade e a estupidez escalando os rostos vermelhos das criaturas.

— Vamos comprar mais bebidas, comida e maconha.

— Vamos ouvir Raul Seixas a noite toda e ficar chapado.

Eu acompanhava todo o percurso, como se não dependesse de mim aquela perseguição, algo pulsava diferente dentro do longo fio invisível que me ligava às outras dimensões, era o momento que eu iria sofrer o lapso, era a hora que eu seria guiado.

Abri os olhos e me vi diante de uma gigantesca árvore, mais três elementais me cercavam, uma Ondina, um Silfo, uma Salamandra e eu, o Gnomo.

Eu era o que tinha menos tempo de vida.

Uma voz me repreendeu.

Ouvi a vibração dentro de mim, senti que era por conta da moeda que havia perdido.

Um redemoinho espectral se apossou da atmosfera em volta e me transportou para o interior da casa da pirâmide.

O cheiro de urina era nauseante, eu impregnava esses humanos de toda sorte de pequenas maldições, algumas infecções urinárias, desinterias, toda sorte de doenças venéreas e fortes dores de estômago.

A tensão divina pela qual fui criado estava desordenada, sentia em meus ossos uma vibração que doía, tentava em vão canalizar essa energia, que se perdia no vento, queimava no fogo e adormecia nas águas.

Eu já estava ficando velho, logo teria de ir até a montanha da morte.

Minha árvore de aniversário iria definhar e morrer junto comigo.

Fui transportado para onde estavam os humanos e a moeda mágica, os três estavam vibrando ruídos agudos, gargalhando e ouvindo música alta.

— Tá rebocado, meu cumpadi, como os donos do mundo piraram, eles já são carrascos e vítimas do próprio mecanismo que criaram.

— Cara, não existe nada melhor que maconha, Raul e cerveja.

— Vinho.
— Vodka.
— Mulheres.

— Garanto que com essa sua moeda poderíamos ter qualquer mulher.

A moeda passou por diversas mãos, senti a vibração da extensão do meu corpo etéreo percorrer vários caminhos, observei seu tilintar em muitas gavetas de dinheiro, ela sempre retornava ao bolso da calça do humano, intacta.

Pude ouvir as batidas na porta e as mulheres entrando, a música, as gargalhadas, os gritos, a fumaça, a bebida sendo sorvida aos berros, os corpos se entrelaçando, os desmaios, a casa infestada de forças invisíveis.

A energia que era canalizada me entorpecia, desequilibrava o éter do qual sou feito, eu piscava, ressurgia, desaparecia, rodava em espiral, a moeda se sacudia em cima da mesa de centro.

Todos eles estavam desmaiados, os corpos nus, a música tocando, ensurdecedora.

Um dos humanos abriu os olhos, percebi que ele se assustou, não era possível, ele tinha me visto.

— O que é isso?

O grito preencheu a casa, as mulheres e os homens acordaram, todos olharam para o homem nu, que apontava para mim, com os olhos vermelhos e ácidos.

— Um gnomo, eu vi um gnomo. Porra, cara, eu vi um gnomo, eu sei que era, eu vi.

Os outros se riam até perderem o fôlego.

— Porra, cara, depois de ter fumado tanto e em São Tomé das Letras? Conta outra.

— Eu vi, eu sei que eu vi, não estou louco.

O rosto dele exalava medo.

Então o mais improvável aconteceu, o tecido da realidade despencou e eu surgi na frente de todos.

A música cessou, dava para ouvir um alfinete caindo.

Todos se apressaram em se vestir, apavorados, depois ficaram imóveis, com os rostos derretidos pelo medo.

— Quem é você? Um gnomo? O que você quer?

Eu apenas vibrei uma resposta e eles sentiram que eu tinha respondido, uma resposta de seiscentos anos, uma resposta de uma eternidade.

Um deles se aproximou, pegou a moeda da mesa do centro e ameaçou me devolver.

— É isso que você quer, não é?

Meu corpo etéreo se dispersou por alguns segundos e se iluminou, as retinas de cada um deles puderam absorver o som que saía do interior da terra.

Era um gemido ancestral.

— Não vamos devolver, é nossa, você é nosso prisioneiro.

Senti uma leve tontura, flutuei a dois palmos do chão, minha boca se abriu e dela brotou uma maldição, a luz foi se intensificando até explodir em um vermelho vivo, para depois se esvanecer devagar e sumir. O lapso temporal se aglutinou às minhas vísceras, meus olhos se fecharam e o gemido do centro do planeta fundiu-se com todas as dimensões.

Eu apaguei.

— Vocês viram isso?

As mulheres se despediram, atordoadas, sem entender o que tinha acontecido, a única memória viva estava com o humano que tinha a moeda em sua mão, nenhum outro se lembrava de nada.

— O gnomo, cara, ele quis retomar a moeda, eu não dei, cara, eu venci.

— Que gnomo, mano? Você está maluco.

Ressurgi na casa da pirâmide, montei no velho cachorro sarnento e dei algumas voltas pela cidade, entrei na gruta que levava à Machu Pichu, saltei do cachorro e acelerei a energia até chegar à cidade Inca, avistei vários elementais, devorei um pouco da energia cósmica dali e retornei à minha morada protegida.

— Cara, o que é essa ferida nas minhas costas?

— Está louco, cara, que ferida?

— Olha isso, cara, meu pé, está inchado e cheio feridas negras também.

— Te dou uma pancada na cara se continuar zoando com a minha cara.

— Vamos até a loja de bebidas, vamos encher a cara e chapar, estamos vendo coisas, pega a moeda mágica.

— É coisa daquele gnomo, eu sei, eu sinto.

— Que porra de gnomo, mano, vai continuar com essa história?

— A moeda não está mais aqui, você pegou?

— Eu não, estava em cima da mesa.

— Ah, está aqui.

A moeda desapareceu por alguns segundos e reapareceu, a maldição estava fazendo efeito.

Eu notei um dos humanos ir até o espelho do banheiro, mirou sua imagem e gritou:

— Meu rosto, está cheio de feridas, cara, meu braço, meu corpo todo está caindo aos pedaços.

O outro humano começou a rir de nervoso.

— Cara, você está vendo coisas, sua pele está normal, não tem nada aí.

O humano sentia a lepra consumir sua pele, apodrecer seus membros, exalar um forte cheiro de carniça, mas somente ele conseguia ver a maldição em si mesmo, era invisível para qualquer outra pessoa.

Seu peito explodiu em um grito, saltou por sobre o pequeno muro da pousada e tudo acelerou de repente, o impacto do corpo no cimento pesou toneladas, como se tivesse caído de um avião ou do alto de um prédio, as pernas se dobraram para trás, os braços eram gravetos tingidos de branco e vermelho, o crânio era um quebra-cabeças de dez mil peças, se abriu como uma fruta madura, o líquido vermelho escorreu até o ralo, um lago carmim esticava-se por sobre o cinza do cimento, o silêncio colocou o último segundo naquela linha de tempo.

— Cara, o que você fez?

O amigo coloca a mão sobre a cabeça, abre a boca como se fosse engolir algo, arregala os olhos, bate os pés no chão, chora em desespero, grita, geme, pula.

Uma força energética intensa o puxa para junto do corpo esticado lá embaixo.

Sob o céu avermelhado, toda a textura do tempo se alterou, eu desapareço por outras tantas dimensões, tenho alguns lapsos, sinto vibrações de eternidades monstruosas.·.

Quando reapareço no quarto percebo que a moeda não está mais lá.

Fecho os olhos, vibro em consonância com o centro da terra, observo o humano entrando em um veículo da cor do céu, a moeda brilha em seu bolso.

Quando me afasto para muito longe da casa pirâmide minhas forças se esvaem, o tecido da realidade se fortalece, meus reflexos são mais lentos, a materialização se torna mais custosa.

O humano dirige em alta velocidade, os dentes cerrados, os olhos saltados, as veias levantadas.

O carro desce a avenida, desgovernado, ele ajeita os retrovisores, a respiração se desconstrói, um hálito frio entra pelas janelas, tudo se move ao desespero.

Sopro ordens ao destino pela milésima vez, ele ignora e sacode os ombros.

A velocidade aumenta, ele faz um sinal apagado para um rapaz da calçada, que ignora e continua rindo e conversando com a garota ao lado, ela também ri com os olhos injetados de medo.

O carro avança pelo sinal vermelho e por uma migalha não se espatifa com um ônibus cruzando a rua, ele aperta as mãos ao volante e mantém a cabeça ereta, seus ouvidos estão em uma frequência dilatada, vozes estranhas invadem cada poro do seu corpo, inclina-se em direção à janela e vomita na rua, o vento traz quase tudo de volta, o cheiro azedo, a cor de anteontem sobrevoa o banco da frente e estaciona por todo o assoalho, a rua passa por baixo do carro como uma esteira, ele sente suas mãos tremerem e o suor deslizar pela face, o gosto salgado escorre pelos lábios, enxerga apenas o horizonte distante, cada vez mais próximo e colado ao seu rosto.

O gosto de cerveja na boca, o cheiro de morte, as mãos grudam no volante até seus dedos ficarem marcados, a cortina de medo e fumaça se dissipa no ar, tudo é desespero, um desacerto cintilante.

O carro acelera ainda mais, toda a distância se comprime, se aperta, é pólvora perto do fogo.

Ele apenas escuta, acena e tapa os ouvidos.

Os pneus agora são manchas negras no asfalto, a buzina, os faróis, o relógio que se antecipa ao grito.

O veículo se amassa, a lanterna dianteira despeja estilhaços no ar, a lataria se enverga, o volante esmaga o peito, a cabeça se espatifa, os pedacinhos de vidro e gotas de sangue dançam no ar, o pescoço se contorce, se desloca, assume uma posição impossível, a febre invisível o toma por completo.

Ouve o sussurro do tempo se acabando, as pernas ficam presas até se partirem, um pedaço do carro atinge seu rosto, atravessa, a dor é apenas imaginada alguns segundos antes de destruir tudo, como raio e trovão, o carro afinal para.

O tempo segura a respiração.

Vê, pelo retrovisor, pela última vez seu sorriso se fechando, na língua o sabor frio do pesadelo.

Os batimentos desaceleram, a visão fica embaçada, o último pensamento é cortado pela metade.

Eu apareço a alguns metros dos destroços.

Outro carro estaciona para socorrê-lo, a mulher desce respirando apressada, tapa a boca com as mãos, fica paralisada por alguns segundos até que vê um brilho no chão, é a moeda, ela olha para os lados, se agacha e a toma nas mãos, sorri e volta para o veículo.

— Esse vestido Gucci, quanto custa? Essa bolsa Prada, quanto é?

Ela sai da loja, entra no carro, estou fraco, bem longe da casa pirâmide, a energia represada está débil, cansada.

— Alô, amiga, hoje vamos jantar no restaurante mais caro da cidade, eu pago.

champagne mais cara, escargot.

O garçom sorri com a gorjeta.

A moeda estará de novo na bolsa dela, em alguns minutos.

Saem do lugar em uma limousine e vão para a casa noturna mais badalada da cidade.

Eu acompanho, me materializo com um sinal de frequência bem fraca, a vibração que ocorre é lenta e rabiscada com ruídos.

— Vamos nos esbaldar, amiga, tudo do bom e do melhor, camarote vip, champagne a noite toda.

A música frenética hipnotiza a todos ali, meus ouvidos doem, a cada passo distante da casa pirâmide todos os meus sentidos se enfraquecem, os fios invisíveis que me ligam ao mundo se esticam, a energia se esvai, a vibração vai se tornando mais próxima dos corpos terrenos mortais.

Tem de ser agora, com o mínimo de vibração e energia canalizada que consigo, envolto em um lapso proposital, sussurro a maldição por entre os lábios, flutuo por um instante e fecho os olhos, estou fraco, quase desapareço.

— Vamos pedir mais champagne e conseguir um pouco de cocaína.

A bandeja de prata chega abastecida com a melhor droga, o champagne mais caro, os sofás de veludo acariciam as costas das duas mulheres, o espelho difunde uma imagem de glória, desejo, sedução, tudo amarrado ao ínfimo segundo de vida humana, terrena e mortal.

As luzes piscam aceleradas, o pó é sorvido pelas narinas dilatadas, percorre as vias respiratórias, revira o organismo, derrete cada parte interna, o sangue jorra derramando-se pela bandeja de prata, todos os órgãos se liquefazem, as duas mulheres não tem tempo de gritar ou se desesperar, seus corpos parecem não possuir ossos, são elásticos, de borracha fina, se dobram, perdem a cor, o sangue ainda escorre, uma fonte inesgotável, tingindo o tapete branco, os pedaços de órgãos apodrecidos também escapam pela cavidade nasal, se espalham pelos sofás brancos, pelo tapete, por tudo ao redor.

Começo a levitar, a força que estava quieta, a energia que estava adormecida entra em erupção, meus lábios tremem, a vibração se insinua pelos meus poros, os fios invisíveis se retesam, a casa pirâmide parece estar próxima, a energia se acumula, minha imagem vibra acelerada, o lapso será intenso, deito minha cabeça para trás e de meus lábios saltam maldições, não há controle, não é o que quero fazer, as maldições se despejam iluminadas, tomam conta da dimensão, possuem cada corpo da pista de dança, cada ser humano que está ali dentro, a energia canalizada vai escalando, tomando proporções gigantescas.

Abro os olhos e percebo que, no alto da pista, uma pirâmide de quartzito que serve como decoração está absorvendo toda a luz direcionada a ela, brilha intensamente, a luz que ela canaliza retorna para mim cem vezes mais forte, estou no auge da minha capacidade etérea, nesse momento estou em várias dimensões ao mesmo tempo.

Vejo Ondinas, Salamandras, outros Gnomos, Silfos, eles cruzam as dimensões, eu sou um portal agora.

Cada humano que está dentro da casa noturna começa a se desintegrar, as narinas parecem irrigadores de jardim, despejam litros de sangue, os corpos se empilham, derretidos, elásticos, emborrachados, a pele fina como papel, não dá tempo de gritar, o cheiro de sangue e órgãos apodrecidos forma uma camada de névoa por sobre os cadáveres, o chão se transforma em uma imensa piscina vermelha, eu flutuo a dois metros de todo aquele sangue represado, iluminado, recebendo toda a energia da pirâmide no centro do salão, quando já nenhuma alma possui morada, a moeda é sugada até as minhas pequenas mãos, a maldição fez com que o fio invisível trouxesse a moeda de volta para mim, dei um gole na garrafa de seiva alcoólica e soltei uma risada.

Uma luz intensa se apossou de tudo e um lapso me tomou pelas mãos.

Estava de novo diante da grande árvore.

— É chegada a hora de se decidir — disse uma voz de trovão que estremeceu todos os galhos da árvore.

— Já não resta muito tempo para ti, vê-se que não és um Elemental que se tornará um anjo de luz, está mais para um demônio, um anjo que serve outras forças.

Tentei retrucar, como podia prever o que aconteceu? Como posso ascender se estou preso à minha natureza, se fui criado para obedecer ao que não entendo, se me falta livre arbítrio? Meus lábios estavam colados, não podia dizer nada, minha própria consciência, que eu achava que tinha, era algo que eu não tinha controle, eu era uma marionete, uma energia de éter mal calculada, sordidamente manipulada.

— Serás um demônio, toda a dor dos leprosos, todos os gritos de dor de tempos imemoriais alimentarão tua força, a casa da pirâmide não será mais tua morada, serás guardião da gruta mais escura, da garganta de teu senhor, ligada ao mais profundo da terra.

Meus ombros começaram a se esticar, eu possuía menos de trinta centímetros, fui me alongando, a coloração da minha pele foi se alterando, asas enormes brotaram das minhas costas, chifres retorcidos surgiram em minha testa, o formato cônico deu lugar a um crânio alongado, em segundos eu era um demônio.

Senti uma vibração intensa surgir do centro da terra, toda a luz, antes amarelada e quente, agora era negra e fria, os fios invisíveis eram agora da cor do sangue, a energia era mais forte, mais extensa, eu podia não só flutuar, como voar, abrir as longas asas pontiagudas e voar, uma longa cauda também adornava meu corpo, uma pelugem fina e avermelhada o recobria, o sangue fervia pelas veias, a temperatura interna era muito alta, era uma febre violenta.

A gigantesca árvore foi se afastando, tudo se quebrou como um espelho, a dimensão se estilhaçou e se reconstituiu de novo em formato de gruta escura.

O cheiro úmido e forte de enxofre invadiu meus olhos, a gruta era um caleidoscópio de reentrâncias, um labirinto extenso, talvez um portal para outro país, como a gruta que levava à Machu Pichu.

Sentei em uma pedra molhada, ainda me acostumando com o novo corpo, meus pulmões devoravam o oxigênio e ardiam.

As orelhas pontiagudas ouviram um ruído:

— É aqui, essa é a gruta.

— Parece estreita e úmida, será que dá pra explorar?

— Claro que dá, eu sei o que estou fazendo, porra, me dá mais uma cerveja.

As vozes caminhavam no ar até mim, eram humanos e se aproximavam, não deveria encontrar nenhum humano, não agora, todo o organismo mutilado e interligado entre espaços dimensionais se reconfigurava, ser um demônio aos poucos estava sendo assimilado pelas minhas entranhas.

— Ilumina direito ou me dá a lanterna, porra, não dá pra enxergar nada, tá tudo alagado.

— Você tá bêbado, cara, não é uma boa ideia explorar um lugar desses bêbado.

— Já disse que sei o que estou fazendo, porra.

Ouço os passos mortais carimbando as pedras molhadas, o eco das vozes reverbera por toda a gruta, estilhaçando o silêncio.

— Cara, acho que já entramos demais, a água está subindo, vamos voltar.

— Agora? Porra, vamos entrar mais um pouco, se quiser volte sozinho

— Ok então, vou voltar.

— Bundão.

O barulho de água sendo revirada estava próximo.

A luz da lanterna projetava fantasmas na parede de pedra.

— Porra, essa gruta não tem fim, Não falha agora, lanterna, cacete.

O vagalume fantasmagórico revolvia meus olhos, eu podia enxergar no escuro, a luz me causava vibrações desarmônicas, uma leve vertigem.

O humano escorregou, mergulhou metade do corpo na água represada, a luz da lanterna se afogou.

Como um inseto preso em uma teia, ele lutava para escapar dali, seu corpo não tinha mais nenhuma coordenação.

Ao se debater, sua cabeça se chocou com uma pedra, o impacto soou como um terremoto, ele desmaiou, iria se afogar.

Abracei seu corpo com os meus longos braços, os dedos com garras compridas contornaram seu corpo, abri as asas, fiz um voo curto e em segundos cheguei até a entrada da gruta.

Observei por um instante o outro humano falar ao telefone, ao perceber sua distração aninhei seu amigo em uma moita na entrada da gruta.

A luz do Sol me enfraquecia, o éter se evaporava, meu corpo adquiria uma densidade elevada, quase desabei ao chão, as asas tremiam como folhas, então retornei ao âmago da gruta, para a escuridão.

— O que aconteceu? Acorda, porra, o que aconteceu? Não vou fazer respiração boca a boca de jeito nenhum... Tá bom, tá bom, acorda, porra, que gosto nojento... Que marcas são essas? São garras? Cara, que coisa mais estranha, quem te trouxe para a saída, acorda, porra, vou te estapear.

— O que foi? Hã... o que aconteceu?

— Cara, o que aconteceu?

— Não sei, cara, apenas senti algo agarrando meu corpo, como um pássaro gigante ou algo assim, senti meu corpo leve e a luz voltando, acho que estava sonhando.

— Vamos sair daqui, vamos voltar para casa.

Eu não podia mais me afastar dessa gruta, a materialização, a velocidade de locomoção, tudo foi esvaziado, como se o corpo mágico sofresse um corte profundo e dessa ferida escorresse todo o antigo poder.

Estava preso em uma cela cósmica, trancafiado na esquina do planeta, um lugar úmido e vazio, sem ouvir nada, a não ser meus próprios pensamentos se devorando, reverberando, derrotados, pelas paredes de pedra.

Agora era imortal, não tinha mais a possibilidade de me desintegrar, voltar ao elemento ao qual pertencia, ser uno com a natureza no ato final.

Agora eu era uma criatura que atravessaria séculos e mais séculos, um abismo sem olhos encarando o espelho vazio.

— Acorda, você está tendo pesadelos.

— Que foi, amor?

— Depois que você voltou da viagem você tem pesadelos todos os dias, não dá pra dormir ouvindo seus gritos, impossível.

— Não sei o que acontece, sinto as garras da grande ave, sinto meu corpo sendo agarrado e levantar voo, vejo grandes asas e uma energia estranha apossando meu corpo, sinto que meu espírito viaja por outras dimensões, algo conversa comigo, diz que eu preciso escrever sobre isso, que devo contar essa história.

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No fundo da gruta ouvi tambores repicando, uma névoa espessa serpenteava envolta em murmúrios e conversações:

— Meu nome é Jandira, sinto seus olhos dormentes, meu filho, o que aconteceu?

Ouvi o humano que eu salvei relatando toda a história e contando os sonhos repetidos.

— Quando isso se deu, filho?

— Há duas semanas.

A velha arregalou os olhos, sussurrou algo , tremeu os lábios, jogou a cabeça para trás e assumiu um ar sério, como se adquirisse outra personalidade.

Despertei em um salto, dentro do corpo da mulher.

— Fui eu que te salvei.

Assustei-me com minha voz gutural, rouca, tremida.

— Quem é você? — o humano perguntou.

Não pude responder, não consegui, titubeei.

A velha revirava os olhos, suava e tremia.

— Quem é você? Por que me salvou?

O humano começava a esticar o corpo para a frente, bater os pés no chão, mexer os dedos, encarar a velha com os olhos arregalados e a perguntar cada vez mais alto.

— Quem é você, me diz. Porque os sonhos? Porque essa vontade incontrolável de contar essa história?

Nós dois não sabíamos, nós dois não tínhamos livre arbítrio, nós dois estávamos encurralados e mortos por dentro.

— Sou um anjo.

Ainda pude sentir meu corpo etéreo ser sacudido, até a velha despertar e minha consciência acordar de novo no fundo da gruta.

Os lamentos, os gritos, as dores, o sofrimento de séculos, as feridas, as chagas, o sangue escorrendo, as chibatadas, a febre, o cheiro das feridas dos leprosos, o choro da família, a solidão, o isolamento, tudo isso me alimentava.

Eu também estava isolado, não podia estar junto da humanidade, teria de estar confinado àquela gruta úmida, meus olhos sangravam, minhas mãos abertas se encontravam com meu peito, abri as asas, levantei um voo breve e gritei alto, me debati, abaixei a cabeça e fui de encontro às pedras da gruta, destrocei meus chifres retorcidos, não havia dor, não havia ferimentos, não havia nenhum meio de me destruir, estava condenado à eternidade.

— Onde está meu pai, onde está meu pai?

As lágrimas de sangue escorrem pela pele vermelha escura.

Por onde cada fantasma, de cada reino, de cada dimensão estivesse, o tecido sobrenatural se enrugava espalhando imortalidade.

Ainda não há pai. 
Ainda não há ontem nem amanhã.

As paredes de pedra da gruta começam a tremer, meu corpo pulsa com uma energia descomunal, a energia que emana do centro da terra invade meu corpo etéreo, os fios invisíveis se tornam mais grossos, desperto em cima de um grande salão, olhos para as pessoas, sinto seus olhos, suas peles, sinto seus rostos, o cheiro perfumado de seus sangues, sinto a textura de suas roupas, o murmúrio de suas preces, sinto a energia se dissipar, se fortalecer, sinto minhas asas se abrirem, no alto desse templo me materializo.

Uma luz intensa, que quase cega os presentes, inunda tudo, enxergo todas as cabeças baixas, se curvando, mexendo os lábios exaltadas, tremendo, gloriosas.

— Rendam glórias àquele que me salvou, ao anjo que me trouxe à vida, àquele que sussurrou em meus ouvidos todo o ensinamento que entrego aos seus espíritos sedentos.

Olhei em sua direção e pude notar um imenso campo magnético ao redor de seu corpo, uma aura energizada amarelada, seu corpo devia pesar uma tonelada agora, ele levantava os braços, saltava, murmurava, revirava os olhos.

Observo cada humano, as palmas da mão voltadas para mim, percebo cada soluço, cada peito se erguendo, cada minúscula respiração.

Vou subindo, cada vez mais iluminado, mais forte e energizado, minhas asas se abrem cada vez mais, os fios invisíveis agora são cordas grossas, a energia do centro da terra é imensa, quente, atômica.

Abro os braços e naquele instante todas as pessoas desmaiam, o impacto com que caem ao chão é um baque profundo, todas as almas de desprendem do corpo, vejo cada uma delas se movendo em minha direção, entrando em meu corpo etéreo, me fortalecendo, apenas o humano que eu salvei ainda estava de pé, com as mãos levantadas, em êxtase.

— Glória a ti, meu pai.


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