quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Entrevista com o escritor Cesar Bravo, autor de Ultra Carmem


Saber mais sobre a trajetória de um escritor que começou se auto publicando até chegar à ser publicado por uma editora reconhecida e reverenciada em seu nicho, o Terror, é a função dessa entrevista, além de perguntar o que geralmente não perguntam , sobre o processo da produção textual.
Cesar topou responder algumas perguntas e saciar nossa curiosidade.
Antes, uma breve biografia do autor, escrita por L Brisa:


Cesar Bravo é um autor brasileiro nascido em 1977 que insiste em se manter fiel ao que gosta de fazer. Poucas vezes desfrutei de autores nacionais com uma atitude tão honesta e perseverante quando a dele. É autor e co-autor de contos, romances, enredos, roteiros e blogs. Cesar também brinca um pouco com o violão, mas já o aconselhei que continue escrevendo...
O conheci há quatro anos, quando li um de seus textos publicado em um jornal da cidade. Minha primeira impressão foi: “O escritor mais azedo que eu já li”, mas isso só durou até conhecer melhor seu trabalho. É inegável seu talento com as palavras e a quantidade de emoção que é capaz de evocar em seus leitores. Também é impressionante como já disse, sua perseverança em defender gêneros espinhosos como o suspense e o terror aos quais se dedica mais fortemente.
Confesso que fiquei surpreso quanto fui convidado para falar um pouco de seu trabalho (somos praticamente concorrentes), mas também me senti honrado. Anotem esse nome, senhores. Cesar Bravo ainda vai dar muito mais o que falar no cenário literário nacional viciado e insosso que temos hoje. Já confirmou seu nome em mais de oito volumes de coletâneas com outros autores, a maioria pela editora Multifoco Sul e Rio. Também tem seus Romances e outras obras vendidas pela Amazon.com.
Leiam esse escritor antes de ignorá-lo ou trocá-lo (como ele mesmo diz) por “qualquer gringo cheio da nota e sem escrúpulos na caneta”



Bem, a primeira pergunta diz respeito a trajetória na escrita, como surgiu o interesse por escrever e como foi até chegar a ser publicado pela DarkSide?
O interesse pela escrita surgiu muito cedo, inicialmente em tom pessoal, eu costumava desabafar minhas frustrações e anseios no papel. Também desenvolvi o mau hábito de rasgar esses materiais, o que me causa arrependimento até hoje.
Comecei a tratar a escrita com a seriedade que ela merece bem tarde, por volta dos trinta anos. Até então eu não tinha segurança para expor meus textos, me faltava bagagem e um pouco de ousadia. Em 2013 expus meus primeiros trabalhos, em grupos de escrita, blogs e, sequencialmente, na Amazon. Também procurei parceiros que poderiam endossar meu trabalho, foram essas pessoas que me colocaram em evidência e me ajudaram a vender os livros publicados em e-book.
Sobre a DarkSide, sempre tive interesse em publicar meus livros com eles. Difícil? Sem dúvida, mas eu não gosto de me colocar barreiras. Enviei materiais, continuei compondo minhas coletâneas e romances, consegui mais parceiros para me fortalecer na rede. Em 2015 recebi uma ligação da DarkSide, nos reunimos e fechamos um primeiro livro. Posso dizer que estou muito feliz com a parceria. Estou em excelentes mãos.

Nós temos um grupo onde é quase um tubo de ensaio, nos reunimos para estudar estrutura e linguagem, fluidez, diálogos, o micro. Eu desconhecia completamente a estrutura. E estou aprendendo com um pessoal mais jovem exatamente sobre isso. Há uma polaridade que percebi ser bem evidente entre escritores com uma formação de Letras, mais fundamentados na linguagem, linguística, tudo relacionado a língua em si, mas que desconhece fundamentos de roteiro e por vezes desprezam esse conhecimento da estrutura, como se isso fosse prejudicar a pureza da escrita, deturpar a integridade artística. O que pensa sobre isso?
Penso que toda ferramenta é útil. Um conhecimento da língua é fundamental, afinal, estamos falando de escritores. É impraticável enviar um texto com erros esdrúxulos a uma editora, é preciso um mínimo de conhecimento para, pelo menos, passar pelo crivo inicial dos editores. O problema que vejo está no abuso da língua, no uso de “palavras e expressões mortas” ou que exigem um dicionário para a compreensão — isso pode tornar um texto enfadonho, lento e chato.
Sobre a estrutura, existem várias fórmulas, inúmeras dicas sobre como compor o texto. O mais importante para mim é adequar forma e conteúdo. O escritor deve conhecer a estrutura básica de um conto ou romance quando se propõe a escrevê-los. Veja bem, conhecer não significa ficar preso, e sim, saber o que estamos fazendo. Não gosto muito de seguir fórmulas rígidas, o que tento fazer é usar essas fórmulas quando preciso, quando elas, de alguma maneira, tornam meu texto mais interessante.
Sobre os roteiros, também existem regras, nós não podemos simplesmente jogar nossas ideias com a formatação que bem entendemos se quisermos ter alguma chance de publicação. No caso dos roteiros novamente, o mercado exige um padrão, é preciso segui-lo ou pelo menos se aproximar dele.
A fluidez vem com a prática, com o dia a dia. É como falar, se você não tivesse praticado, não seria capaz de colocar as palavras de uma maneira que fosse compreendido. Sobre os diálogos, a principal ferramenta é a observação. Para compor diálogos críveis, é preciso ouvir as pessoas. Outro ponto sobre os diálogos é a pontuação correta. Eu canso de ler materiais que usam travessões e aspas de maneira errada. Como disse anteriormente, o escritor precisa dominar as ferramentas básicas da língua.

A literatura de gênero sempre foi marginalizada, desde os pulps, giallos e sc-fis ditas literaturas menores em relação a grande literatura, universal, eterna houve poucos casos onde se cruzaram hoje ainda é visto assim na tua opinião?
Creio que são públicos diferentes, e cada lado escolhe seus autores. O que me fere um pouco é a flagelação consciente dessa ou daquela vertente. Muitos críticos torcem o nariz para a modernidade, envenenam os jornais, eles ainda estão enraizados em um mundo que, apesar de magnífico para muitos, tem a necessidade de evoluir. Vivemos na era da informação, tudo é muito rápido, ninguém tem tempo a perder. As pessoas querem compreender e ser compreendidas, textos considerados “Grandes e Eternos” podem irritar a nova geração de leitores, ainda que leitores de longa data saibam apreciá-la. Não gosto dessa polarização, ela sempre gera agressão, o mercado brasileiro tem espaço para todos os tipos de escritores. Eu leio Machado de Assis e não abro mão de Stephen King, gosto de Graciliano Ramos e amo Bukowski; tenho muitos livros do Paulo Coelho em minha estante, é por aí...

Como fazer um livro comercial e ainda ter em vista uma boa construção de personagens e temas relevantes? Ou é entretenimento mesmo e basta divertir e vender?
Veja bem, um livro com bons personagens e temas relevantes será comercial de qualquer jeito, ele venderá se for bom e tiver a publicidade bem feita. O que fica um pouco complicado são livros mal escritos, mal editados, que pecam em trama, personagens e em todo o resto, esses exemplos nem o melhor publicitário do mundo conseguirá salvar. Eles vão encalhar, não por que não são “comerciais” ou “ficcionais” ou “modinha”, mas porque são ruins.

Alguns autores publicam livros com erros crassos de português, por grandes editoras, muitas passagens do livro poderiam ser melhoradas com um bom editor, pra você qual o papel do editor hoje em dia, ainda existem bons editores?
Existem editores fantásticos. Eu tive a sorte de conhecer alguns.
O problema com a versão final do livro muitas vezes não está centralizado em uma só pessoa. Algumas editoras contam com até quatro profissionais trabalhando em um mesmo texto, além do autor. Mudanças são sugeridas e executadas, o material troca de mãos muitas vezes, creio que seja natural que um ou outro errinho escape na impressão do livro. Quem já revisou um texto longo sabe como é complicado, chega um ponto em que nossos olhos simplesmente não reconhecem alguns erros.
O papel do editor é explorar ao máximo a qualidade de um livro. O editor precisa ter essa visão sobre o que agrega ou deprecia, sobre o que evolui ou mata uma obra. E o autor por sua vez precisa ouvir esses profissionais. Como Stephen King citou algumas vezes, “Escrever é humano, editar é divino”. Em minha opinião, o editor também tem um papel fundamental na evolução do autor. Isso inclui posicionamento na rede, network, descoberta de novos parceiros e projetos, o bom editor é aquele profissional que atua conjuntamente com seus autores.

Esse processo de aprendizado de estrutura, como se deu para você? É mais intuitivo ou apenas começa um livro com todo o planejamento? Isso se deu logo quando começou?
Aprendi os fundamentos traduzindo material técnico, pois não encontrava quase nada por aqui. Existem bons livros com essa finalidade, aconselho a todos que aprendam tanto quanto for possível.
Já escrevi de várias formas, mas ainda é um processo muito intuitivo para mim. Não costumo planejar, quase nunca sei como vai terminar, todo o processo de reestruturação, quando necessário, é realizado na segunda ou terceira leitura/reescrita. Ficar preso a fórmulas ou planejamentos rígidos de cenas/capítulos em um primeiro rascunho tem um efeito muito negativo sobre o meu trabalho.


A construção dos diálogos, como se dá em sua escrita?
Eu reproduzo o que ouço; tento encaixar minhas experiências com o tipo de personagem que eu idealizei. Alguém que vende peixes em uma feira de Minas Gerais tem a fala muito diferente de um diplomata de Brasília, é preciso ouvir essas pessoas e tentar ser o mais fiel possível à realidade, é o que eu faço.

Quais suas influências?
Poe, Lovecraft, King, Clive Barker e Bukowski.

Ainda há espaço para escritores que criam literatura de gênero no Brasil?
Há muito espaço. O problema está na qualidade dos textos. Os editores recebem enxurradas de material, mas pouquíssimos passam para uma segunda avaliação. O pessoal que realmente possui qualidade de escrita acaba sendo publicado, é questão de tempo. Outro problema seríssimo é a originalidade, muitos escritores tem o mau hábito de copiar autores consagrados, muitas vezes sem perceber e algumas vezes descaradamente. O mercado busca originalidade, sempre.

O escritor recluso, como Salinger, ainda consegue sobreviver nos dias atuais, como é teu contato com leitores nas redes sociais?
Acho que não. Hoje existe uma turbulência de autores, todos buscando seu espaço, usando suas redes sociais para promoverem seus trabalhos. Dificilmente eu teria sido publicado sem a ajuda dos meus parceiros e seguidores. Mesmo as editoras, elas buscam segurança em suas publicações. Muitas vezes um número considerável de seguidores e o correto posicionamento do autor na rede faz toda diferença.
Mantenho um contato muito próximo nas redes sociais, sempre estou disponível. Recebo fotos, resenhas, elogios e críticas, todos são respondidos.

Mais uma pergunta: livro físico versus e-book, prós e contras, sua visibilidade mudou quando foi publicado por uma editora?
Leio nos dois formatos, por praticidade leio mais e-books.
O livro físico, por outro lado, gera encantamento, é um produto com uma alta dose de apreço e, eu diria, romantismo. Temos o cheiro, o toque, a capa que muitas vezes é o fator de decisão na compra; livro ainda é produto de consumo. O grande mérito dos ebooks é sua praticidade e a facilidade de publicação. O grande problema é que nenhum autor brasileiro consegue sobreviver com o rendimento dos livros eletrônicos, e a pirataria tira o que pouco que sobra. O livro físico oferece uma possibilidade muito melhor nesse sentido.
Minha visibilidade aumentou muito, muito mesmo. E continua aumentando. Com o livro nas principais livrarias, o autor é mais visto e mais respeitado, é uma mudança drástica e muito positiva.



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